Primeiros Dias

placa de Sanary sur Mer
placa de Sanary sur Mer

Por que Sanary-sur-Mer?

A escolha de Sanary-sur-Mer foi por acaso. Um acaso que, hoje, depois de uma semana na cidade, penso que não poderia ter feito melhor escolha para essa adaptação ao clima, à língua, à cultura e ao estilo de vida francês. Toda a minha pesquisa e planejamento de estada na França foi para um período sabático em Paris. Já havia pesquisado cursos e, de certa maneira, já conhecia a cidade. Mas, os alugueis estavam absurdamente caros e fugiam da minha proposta de experiência. Tentei a opção nos banlieues de Paris. A alternativa que surgiu mais viável, mas que não me atraia nem um pouco, era alugar um quarto na casa de algum morador, o que é bem diferente de ser intercambista e dividir um apartamento com outras pessoas na mesma situação que você.

Sinceramente, tive receio. Alugar no escuro por três meses? Tempo mínimo exigido pelo Consulado da França para solicitação do visto long sejour. E se as pessoas da casa fossem chatas? Estranhas? Sem asseio?  O tempo corria e esses questionamentos insistiam em me atormentar. E assim, quase me infartando e alugando meu “santo irmão”, que se não fosse sua paciência e ajuda não estaria, hoje, aqui, contando essas histórias, fechei o aluguel pelo Airbnb no último minuto do segundo tempo para a entrevista do consulado.  Nesse primeiro momento,  aluguei um studette (mais ou menos 12 metros quadrados), mas só meu para não correr risco.  E foi assim que surgiu Sanary-sur-Mer em uma das minhas buscas em sites de aluguel na internet. Tive muito pouco tempo para pesquisar sobre a cidade, mas o  que pude descobrir, foi suficiente para ter a certeza que, Sanary, seria o lugar ideal para desenvolver meu projeto, meus treinos para a Maratona, meu sonho e minha nova etapa de vida.

Orange Sanguine

orange sanguine
Orange sanguine

Laranja vermelha? Provei e gostei. Orange Sanguine é um pouco menor do que a laranja e com sabor doce. Seu nome é por causa da sua cor vermelha como o sangue, resultante do pigmento antocianina, que é rico em antioxidantes.

 

 

tangerineira en sanarysurmer
tangerineira em Sanary-sur-Mer

Tangerinas Francesas

 

Começar o dia correndo pela Avenue De La Résistance, em Sanary-sur-Mer, é um colírio para os olhos. A subida fica mais suave diante da beleza e perfume das árvores de tangerina.

 

Eu e meu Chuveiro

Hoje, finalmente consegui me entender com meu chuveiro e tomei o banho que sonhava. Foram sete dias brigando com a ducha móvel dentro de um espaço apertado do box. Parecia até que estava querendo colocar em teste a minha paciência ou me fazer desistir de tomar banho.  Eu calculava e colocava a ducha na haste fixa, mas era só ligar, que a parte móvel se mexia e eu tinha que ficar correndo atrás da água. Segurar o chuveiro com a mão, ensaboar e enxaguar, sem muita opção de mobilidade, era uma missão quase impossível. Atrasada, pior ainda.   Eu sabia que chuveiro na França era diferente do chuveiro brasileiro, apenas esqueci, ou melhor, nunca tinha precisado utilizar no inverno. Tem situações insignificantes ao olhar macro que só damos valor quando vivenciamos.

mala de viagem_virginiapradonafrança
malas de viagem

Mala pesada

Vários dias arrumando a mala. Apesar de ser uma pessoa prática para viajar, nunca tinha preparado uma mala para passar tanto tempo fora de casa. Era como se fosse uma mala mudança. Com esse pensamento, fui colocando roupas para todas as estações. Fui colocando sapatos, perfumaria, acessórios, livros, documentos, cadernos e mais cadernos. Isso mesmo. Eu gosto de escrever em cadernos e não queria gastar meu dinheiro com isso. A mala foi inchando. Para fechar, aquela dificuldade.  Peso total: 32,100 Kg.  Eu tinha direito a duas malas de 32 Kg, mas optei por levar apenas uma mala grande, uma mochila e uma bolsa. Todas super pesadas para meu grande arrependimento. Na hora de embarcar, tirei  uma agenda e tudo resolvido. Pensei. Deveria imaginar que não daria certo, mas o desejo de levar o que poderia precisar falou mais alto. 

 Não importa quanto tempo vai permanecer fora. O peso da sua bagagem tem que ser proporcional ao que você suporta carregar, confortavelmente, para não fazer do trajeto um verdadeiro pesadelo. Lembrei das minhas filhas perguntando: por que levar tantos cadernos? Tantos vidrinhos? No aeroporto era eu que me perguntava a cada puxada de mala, a cada fisgada no pescoço. Na verdade,  só fui sentir o verdadeiro peso da minha bagagem e o drama, quando cheguei no aeroporto Charles De Gaulle (CDG), em Paris. A mala seguiu direto do Rio de Janeiro para a capital parisiense, enquanto eu, a mochila e a bolsa fazíamos uma visita de algumas horas à Roma, ou melhor, ao aeroporto de Roma (aeroporto Leonardo da Vinci, mais conhecido como Fiumicino). Conhecer a cidade ficaria para uma próxima vez. Não planejei um rápido tour entre um voo e outro. 

Mala pesada não sobe escada e nem desce sem ajuda. Mala pesada emperra no vão da entrada e saída do trem. Aprendi a lição. Mala pesada tem que ter rodinhas nos quatro cantos. Como invejei as pessoas no ir e vir  e suas malas  deslizando nos enormes corredores do aeroporto. Me senti limitada. Me senti ultrapassada. Me senti um verdadeiro burro de carga.  A pesada bagagem não me deu tempo de raciocinar. Apenas, de sentir uma enorme dor na coluna, na cabeça e por todo o corpo. Decidiu por mim: sem condições de me deslocar, de noite, até uma estação de trem em Paris ( gare Austerlitz).  A cada ida no banheiro, eu e minha bagagem, tinha que ter toda uma logística.  Esperei horas, no CDG, aguardando o ônibus Paris/Toulon, que passou no início da madrugada. No

escadaria do apartamento de Sanary-sur-Mer
escadaria do apartamento de Sanary-sur-Mer

ponto de embarque experimentei o frio europeu. Deveria estar próximo do limite entre positivo e negativo.  Um vento úmido. Mais 14 horas (devido ao mau tempo) de viagem me aguardavam. Pelo menos, 14 horas sem me preocupar  com a mala.

Mas o maior vexame me aguardava na chegada a Sanary-Sur-Mer, meu destino final. O proprietário do apartamento que aluguei, gentilmente, foi me buscar na estação  e, ingenuamente, se prontificou a carregar a mala. O prédio, uma construção antiga, não tem elevador e o apartamento é no terceiro andar. Chegou roxo, mas com um sorriso de boas-vindas. Assim, fui recebida na França!

Casaquinhos

casaquinhos quase esquecidos no Rio de Janeiro
casaquinhos quase esquecidos no Rio de Janeiro

“ Vovó, se você ver neve, me avisa? “ Muito feliz de conseguir chegar ao aeroporto com prazo para embarcar (situação rara de acontecer), respondi sorridente para a minha netinha, de seis anos, que não só avisaria, como iria mandar fotos. Ela prontamente respondeu com ar de fiz coisa errada: “então, acho que os casaquinhos, que deixei em cima do sofá, vão fazer falta” . “Estavam muito pesados, vovó”, justificou em seguida. Meu sorriso congelou. Faltavam menos de uma hora para entrar na sala de embarque. No trânsito do Rio de Janeiro, se deslocar do Galeão ao Humaitá e retornar em tempo era uma missão quase impossível. Os casaquinhos, eram os meus dois casacos para enfrentar o inverno na Europa. Os planos de ter tempo para um almoço em família e  uma despedida tranquila terminaram naquele momento. Começamos a ligar para todos que lembrávamos poder estar próximo dos casacos. Como sempre nessas horas, o celular fora de área. O tempo parecia correr mais rápido ainda. Solução foi apelar para o Uber.  Deu certo. Mas, nada acontece por acaso. A tão temida despedida, acabou sendo vapt-vupt  para não perder o voo.