Trilha das Pivoines, caminhada à Cabana de Cordeil

Trilha das Pivoines, caminhada até a cabana de Cordeil
Neste ano de 2025, nos Alpes de Haute Provence, um dia de sol em Meailles é motivo de comemorar e, para quem gosta de se exercitar, calçar o tênis e  caminhar ou montar na bike e pedalar.
Faltando menos de um mês para a primavera acabar, a chuva e frio tem roubado o cenário colorido e perfumado dessa estação.
Mas para minha surpresa, descobri que as flores, assim como eu, cansaram de esperar uma trégua do tempo ruim.
Afinal, essas precisam nascer e seu ciclo de vida completar, antes de morrerem estorricadas no verão das montanhas.
 Assim sendo, foi no caminho das pivoines, ou peônias, que dei minhas passadas nessa contagem regressiva de despedida da primavera.
E certamente é uma trilha que retribui o esforço de percorrê-la nos presenteando com a beleza dessa flor.

Pivoine

Eu, particularmente, a cada dia estou mais convencida que seria bem melhor duas estações por ano: primavera e outono, com chuvas moderadas, suficientes apenas para abastecer os rios, umedecer o solo e manter o planeta e seus habitantes vivos.
O frio que nos faz sentir picolés ambulantes deveria se aposentar e deixar aquele friozinho moderado ocupar o seu lugar.
Já a  natureza, quando coberta pela neve, é de fato magnifica.
É o momento de transformação da paisagem e da vida se calar nas montanhas.
É também o adormecer para um novo despertar, mas deveria ter prazo determinado para chegar e partir, com direito a se instalar fora de época só no pico de grandes montanhas.
Esse seria o clima ideal.
paisagem vista da trilha  cabana cordeil com montanha no fundo coberta de neve
A trilha que batizei de pivoines, na verdade é a da montanha de Cordeil (2.115m).
Um trajeto talvez um pouco pretensioso para quem não estava com o preparo físico em dia e algum peso extra, mas caminhar nas montanhas e florestas é viciante como a corrida.
Muitos dias sem praticar, o corpo começa a reclamar, a cabeça a doer e nos sentimos como um fio desencapado que é só encontrar outro no mesmo estado para soltar fagulhas que podem incendiar.
Diante desse argumento, não preciso nem explicar que o desafio foi bem-vindo e partimos. ]
Embora não sendo no horário que considerávamos ideal, ou seja, ao amanhecer.
Mas tudo bem, é primavera!
Temperatura amena e dias já bem mais extensos, quase como no verão, nos dando mais tempo para partidas mais tardes ou para longas distâncias.

Lac des sagnes

 

 

Lac de sagnes – Thorame Haute/ Thorame Basse – Alpes de Haute Provence

 

 

 

 

Porém um erro de percurso, nos fez dar uma falsa largada.
E diga-se de passagem, um erro providencial para conhecermos um cantinho especial entre os vilarejos de Thorame-Haute e Thorame-Basse: o Lac des Sagnes,
cuja trilha em seu entorno também é uma opção para uma caminhada leve e curta de 5km, com direito a piquenique.

Sinalização da trilha é bem discreta

De volta a Thorame-Haute, pegamos a D52 em direção à Route d’Allos.
É preciso prestar atenção porque a sinalização da trilha é bem discreta no lado direito da estrada.
Sem estacionamento, o jeito é deixar o carro em algum recuo próximo na estrada, se não quiser estacionar  seu carro dentro do vilarejo de Thorame Haute.
Foi o que fizemos e, diferente do Brasil, sem qualquer problema.
Maioria dos caminhantes o fazem.
Sinalização do inicio da trilha Cabana de Cordeil
O trajeto já de início começa numa subida que parte de uma altitude de 1.090 metros, e assim vai ladeira acima até o final.
Uma boa notícia é que a maior parte dessa subida sem fim é em ziguezague, o que engana a mente para seguir adiante.
Mas, melhor do que isso é que a cada passada somos agraciados com uma bela vista panorâmica do Verdon, rio cuja garganta, a Gorges du Verdon, atraí milhares de turistas no verão.
Rio Verdon visto da trilha Cabana de Cordeil
Mas essa trilha oferece mais do que  isso na primavera: , é como caminhar em um belo jardim, quase o de Monnet. 
Exagerar um pouco não faz mal, pois no passo a passo,  desfrutando os diferentes aromas  das multicoloridas flores selvagens,
podemos admirar a rainha da área, a pivoine, com seus  diferentes tons do vermelho, cor de vinho tinto, ao quase rose.
flores selvagens e pivoines na trilha Cabana de Cordeil
A beleza dessa flor distrai a mente e suaviza a subida, por vezes estreita e desafiadora entre deslizamentos de pedras, beirando precipícios.

Trecho acidentado da trilha Cabana Cordeil

 Nestes momentos, a tensão aumenta. 
É preciso foco nos pedregulhos.
Eu tento pisar como uma garça para não incomodar as pedras ou mesmo as incentivar a movimentarem-se e me desequilibrarem.
Cada décimo de segundo, entre uma pisada e outra, parece uma eternidade.
E, cada passo em frente, uma comemoração silenciosa de uma vitória sobre o medo.
Meu companheiro de caminhada, com DNA de cabra de montanha, atravessa rapidamente e fica sempre com cara de interrogação diante da minha demora.
Na verdade, sou apenas cuidadosa.
Ainda quero ter pernas para muitas caminhadas.
A autoconfiança em excesso pode acabar em descuido.
Prefiro continuar com meu ritmo cauteloso, quando em algum trecho acende o sinal de alerta.
E por vezes dou um grito para que ele também faça o mesmo.
Desta maneira, eu sutilmente diminuo o seu ritmo.

Croix de Cordeil

Voltando a trilha, vamos alternando entre campos floridos e desmoronamentos de pedras, até a Croix de Cordeil, que fica a 1.328m de altitude.
Percurso em ziguezague na subida engana a mente.
Eu já pensava estar quase na reta final da Cabane de Cordeil, mas  ainda faltava vencer um desnível positivo  de cerca 332 metros.
placa homenagem aos jovens mortos por uma avalanche durante uma caminhada no local, em 1814.
Essa cruz no meio do trajeto , além de ser uma parada obrigatória para descansar as pernas, é também uma viagem no túnel do tempo.
Um retorno ao ano de 1814, quando três jovens de um vilarejo próximo, Royère, foram arrastados e mortos durante uma avalanche.
Seus corpos só foram localizados mais de um mês após a tragédia.

Perfil em pedras e árvores

Um momento de reflexão e de volta a caminhada e, agora ao meu momento de me deixar viajar pelas alucinações. 
Acho que já contaminei meu companheiro de caminhadas.
Ele, fotógrafo e poeta, só tinha olhos para a beleza da arte natureza.
Agora, em vários momentos nos distraímos, perguntando o que conseguimos ver em pedras ou árvores.
São verdadeiras esculturas brutas.
Na verdade, são nessas caminhadas que encontro  a minha “ Alice no país das maravilhas”.
pequena cabana na subida da trilha Cordeil
Após uma 1h40 de subida, com direito a rápidas paradas para registros e pausa para um lanche ao lado de uma pequena cabana, finalmente chegamos na cabana de Cordeil e diante da montanha que deu origem ao seu nome.
Mas essa proximidade em montanha é relativa.
De longe, essas parecem coladas e a subida ao seu topo curta, mas in loco, não é bem assim.
Além disso, nessa trilha que escolhemos, a sinalização termina neste exato local.
Caminhada fora da trilha Cabana de Cordeil – Alpes de Haute Provence

Caminhada fora da trilha

Então, a partir desse momento, era retornar ou começar uma outra etapa da caminhada. 
Aquela parte que dá mais prazer ao meu companheiro, ou seja, caminhar “hors sentier” e quanto mais difícil for o teste de nervos de aço e de coração imbatível, mais empolgante. 
Primeiro tentamos descendo para atravessar uma torrente. Esforço em vão. 
Fomos barrados pelo terreno terrivelmente acidentado, inclinado e a beira de um precipício.
“Se eu estivesse sozinho, eu iria.”
É o que ele sempre diz em situações como essa que temos que dar meia volta.
Tenho dúvidas, mas seguro a vontade de responder “então, vamos!”.
Nestas horas vale mais ser um sábio covarde.
Fora da trilha
Mas esse insucesso na primeira tentativa rumo a montagne Cordeil, não foi motivo para desistência e partimos em direção ao plano B: subir a montanha que dava continuidade ao terreno onde está localizada a cabana.
Daquele angulo, essa possibilidade parecia mais acessível e num terreno de vegetação. 
Nossa proposta era alcançar o seu topo e caminhar em direção a montanha Cordeil.
Avançamos bem.

Plano B no caminho de volta

Poderia dizer que até a metade do pretendido, quando a subida começou a mostrar porque a sinalização terminara na cabana.
É o momento que parei de apreciar a natureza para ter pensamento fixo no pesadelo que seria o retorno pelo mesmo local.
E, foi.
Final de linha e meia volta com trechos que os batons e os raros pequenos arbustos não eram suficientes para me fazer sentir segura naquele solo deslizante e inclinado, mistura de terra seca com cascalhos.
Nessas horas a compostura de caminhante experiente é aposentada.
Desci sentada e utilizando as mãos como freio, quando necessário.
Assim tenho mais controle.
Final da linha – Cabane de Cordeil.
Minutos infinitos, mas de volta à cabana de Cordeil e a respirar aliviada.
Esse pequeno trajeto fora de trilha, o mais curto, porém o mais difícil de todo o percurso, foi superado.
Agora, era retornar pelo mesmo caminho das pivoines e pedregulhos, segurando o freio para poupar os joelhos
e não deixando a paisagem do Verdon tirar a atenção nos trechos de deslizamentos de pedras.
Caminho de volta
A montanha de Cordeil continua na pauta e a nossa espera.
Basta encontrarmos a trilha correta até o seu topo.
Até a próxima!
Percurso :  4horas
Ida/volta sinalizado/aller/retour balisé
Distância/distance: 9 km
Desnível/dénivelé: +- 570
Nivel de dificuldade: mediano

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