A experiência que vivi no circuito Gorges de Saint Pierre ao Col de l’Orgeas-Ondres me fez refletir que nas florestas e montanhas descubro cada vez mais semelhanças com o trajeto vida.
Nessas aventuras, de certa forma novas para mim, pego caminhos que podem me levar ao abismo. Outros, ao paraíso.
Na despedida da Primavera, que apareceu tímida neste ano de 2024, na França, aproveitamos para descobrir esse belo lugar entre florestas e montanhas nos Alpes de Haute Provence.
Circuito Gorges de Saint Pierre, primeira incursão
A primeira tentativa foi em um sábado de céu encoberto com promessa de não chover.
Na ocasião, achávamos que estávamos mais uma vez partindo para uma caminhada solitária, porém no início do trajeto, que parte de um vilarejo que parece cenário de livro infantil, chamado Villars Heyssier.
Logo descobrimos que não havíamos sido tão originais na escolha.
Nesse sentido, não precisamos dar muitos passos para cruzar com vários grupos de caminhantes e até mesmo de ciclistas.
Talvez, motivados em sair da “toca”, “tirar o mofo” e lubrificar a engrenagem do corpo humano depois de uma primavera invernal e chuvosa grande parte da estação.
Trilhas vertiginosas do circuito Gorges de Saint Pierre
Ainda assim, começamos o percurso da trilha, que de início já apresentava as falésias da Gorges de Saint Pierre, mas nada intransponível, se não sofrer de vertigem.
Apenas é preciso ter cuidado onde pisa para não escorregar.
Por outro lado, a maravilha da paisagem compensa qualquer esforço e persistência.
Em síntese, é só saber equilibrar o olhar entre a bela vista e os pés.
Capela do século XVIII
Logo no inicio da trilha, um desvio na mata nos leva a uma curiosa capela construída por monges no século XIII.
Embora fechada, foi possível admirar sua singela beleza através de um buraco na porta
Essa capela é um dos trajetos de muitos caminhantes. Contudo não era nosso ponto final.
De volta a trilha, seguimos um pouco adiante, admirando as formas das montanhas,
descobrindo imagens nas pedras e pequenos cantinhos às margens do riacho, que no verão podem ser um convite para refrescar o corpo e energizar a mente.
Sempre com cuidado e respeitando as placas de alerta, onde é permitido, ou não, entrar.
Mudança de tempo no meio do trajeto
A essa altura, o céu começou a escurecer com nuvens pesadas.
Dessa forma,a luz para fotos não condizia com a beleza do local.
Além disso, não sabíamos o que nos aguardava nessa estreita trilha em curvas em que uma das laterais era o vácuo.
Como resultado, decidimos dar meia volta.
Explorar a Gorges de Saint Pierre ficaria para uma próxima vez.
Circuito Gorges de Saint Pierre à col de l’Orgeas em um segundo tempo
No entanto, em menos de uma semana, já estávamos de volta.
Desta vez , em um dia de céu azul.
Em princípio, nosso trajeto seria caminhar até o Col de l’Orgeas, retornando por Ondres, ponto que já havíamos partido para a caminhada ao Grand Coyer até Villars Heyssier.
Assim sendo, um pouco além da capela, pois já conhecíamos o trajeto.
À medida em que subíamos, alguns trechos delicados surgiam, ainda nada de excepcional para quem tem uma mínima experiência nesse tipo de terreno.
Antes de mais nada, o importante é não se descuidar diante dessa vista deslumbrante, principalmente quando a trilha se estreita nas curvas.
Circundando a montanha do Gorges de Saint Pierre
Depois de circundar a montanha em caracol , a segunda etapa é dentro da mata, em uma subida constante, mas também em zigue-zague ,
o que a torna mais fácil, apesar de mais longa, além da vantagem do piso de terra.
Conforme a estação, cuidado com as folhas secas e pinhas espalhadas pelo chão.
Uma combinação perfeita para fazer escorregar.
Refúgio Congerman
Entretanto foi no final dessa parte do trajeto, nossa agradável surpresa: chegamos no Refúgio Congerman.
Uma charmosa e aconchegante cabana no meio da floresta, uma paisagem real do que imaginamos o irreal Paraíso.
Ali compreendemos o porquê do trânsito na trilha.
Para muitos caminhantes, o final da linha e alguns momentos ou mesmo dias de submersão na natureza, limpeza do corpo e mente.
Trecho nevado no meio do caminho
Ainda assim, não foi o nosso caso dessa vez.
Depois de uma rápida parada para recuperar o fôlego e dar tempo para as pernas relaxarem, sem deixar o corpo esfriar,
seguimos em frente até uma passagem delicada, sobre uma encosta, a qual surpreendentemente, apesar de estarmos batendo na porta do verão, ainda estava coberta de neve.
Inegavelmente, achei que chegávamos ao final da linha.
Apesar de curto trecho, não sabíamos a consistência daquela neve e o que aconteceria sob o impacto do nosso peso.
A única coisa que tínhamos certeza era que um tombo naquele despenhadeiro era um passaporte em direção à outra dimensão.
Dessa maneira, fomos prudentes e, mesmo contrariados, demos meia volta em direção ao refúgio.
Tivemos ajuda para ultrapassar a neve
Mas como esperança é a última que morre, em um bate-papo com a proprietária do refúgio, ela ofereceu a ajuda do seu companheiro para realizar a travessia.
Em princípio fiquei um pouco hesitante, mas ela garantiu que ele realizava essa travessia sem problemas e inclusive naquele momento estava retornando do outro lado.
Assim sendo, ela me convenceu.
Depois de um rápido descanso, com direito ao nosso lanche e troca de experiências com outros caminhantes que chegavam ao refúgio,
retornamos ao local da delicada passagem.
Havia um bloco de neve partido em dois
A essa altura, percebemos que o bloco de neve havia se partido em dois, justo no ponto de passagem.
O que nos fazia acreditar que alguém havia atravessado.
A essa altura, haja coração
Antes de começarmos a travessia, o proprietário do refúgio, atravessou o bloco de neve no sentido contrário para garantir a estabilidade do mesmo e orientar como fazê-la.
Encordada ao meu companheiro e apoiada pelas mãos do proprietário, larguei para mais essa aventura no meu currículo de sagitariana.
Coração querendo saltar pela boca e denunciando o medo que tentava se apoderar do meu pensamento e corpo, contudo enfrentava uma verdadeira batalha com o desejo de persistir e não desistir.
Inegavelmente, eu focada em cada gesto, experimentava diferentes sensações que faziam minha mente viajar entre pensamentos extremos, questionar e até prometer o que eu sabia que não seria capaz de cumprir.
Entre a neve e o penhasco
Assim dei o primeiro passo que era sobre uma estreita pedra na qual eu deveria me apoiar para fazer um pequeno salto para o bloco de neve, mas que tinha que ser certeiro e suave, pois entre os dois e sob a neve, estava o vazio inclinado do penhasco.
Depois passo a passo, e sem olhar para baixo ou para trás, eu e o proprietário do refúgio caminhamos lentamente este curto trajeto que pareceu ter quilômetros.
Quando ele já havia saltado para o outro lado, e eu me preparava para saltar, senti que meu companheiro começava sua travessia.
Senti seu peso repuxar a corda.
E a tensão só aumenta
Assim sendo, passou como uma ventania o pensamento negativo de toda vez que estou encordada a alguém: e se ele escorregar, eu vou junto.
Seja como for, eu ainda não consigo ter confiança e certeza que estar encordado é mais seguro. Entretanto se é o que diz quem entende do assunto, eu obedeço.
De volta ao foco, tentava ser uma boa aluna e seguir as instruções.
Abaixo o corpo, quase sentando, e salto suavemente e com precisão sobre uma estreita parte de uma pedra para alcançar a outra extremidade.
Respiro profundo e aliviada.
Essa sensação de conseguir é o melhor elixir.
Já do outro lado, todos os dois sãs e salvos, nos despedimos gratos do proprietário, com promessa de que voltaríamos para curtir os momentos no Congerman.
Uma despedida com direito de registrar sua passagem pelo bloco de neve e guardar esse momento para eternidade, já que no momento que realizei, era impossível pensar em registrar.
E a jornada continua no circuito Gorges de Saint Pierre
Após o teste de determinação e resistência, tudo que veio pelo caminho foi tranquilo de superar.
Por conseguinte, entramos em uma floresta, com algumas partes de subidas e descidas, atravessamos um belo trajeto plano e florido para nos encontrarmos no conhecido caminho já percorrido quando fizemos a caminhada de Ondres ao Grand Coyer.
Nesse sentido, tirei de letra até mesmo as partes de cascalho e pedras em precipícios, que nesse percurso anterior fizeram meu corpo tremer de medo.
Certamente, só o joelho reclamou um pouco da descida irregular e constante .
Acho que começo a adquirir um pouco do DNA de cabra francesa, se isso é possível.
Caminhada entre Ondres e Villars Heyssier
Depois de atravessar o vilarejo fantasma, prosseguimos nossa caminhada em direção ao local onde havíamos deixado o carro.
Dessa maneira, foram mais algumas horas seguindo a sinalização dentro da floresta.
Uma curta parada no pequeno vilarejo Le Plan, com direito a um bate papo com habitante temporário do local ( proprietário de casa secundária ).
Ainda haviam subidas nos aguardando
Quando achávamos que a caminhada estava praticamente terminada, fomos surpreendidos com uma subida bastante inclinada e nada razoável para os quilômetros finais,
principalmente porque o calor não contribuía para a boa performance.
Certamente, o que atrapalhou aquela chegada triunfal.
Mesmo assim, fomos em frente.
Nem mesmo passar ao lado de um rebanho de ovelhas me causou pavor pela possibilidade de estar diante de um patou ( cão de guarda de rebanho de ovelhas temido pelos caminhantes de montanhas durante os meses de junho à setembro).
Villars Heyssier
Ao vencer a subida, Villars Heyssier surgiu como uma miragem.
Uma rápida parada em uma fonte para molhar a nuca e prosseguir até o carro.
Se gosta de caminhar , o circuito Gorges de Saint Pierreatende todos os tipos de caminhantes ( principiante, mediano ou experiente).
Todavia, a travessia após o refúgio, eu não sei dizer como é sem o bloco de neve. Provavelmente delicada, mas não perigosa como a quando realizamos. Só indo para saber.
Circuito cumprido e mais um belo percurso que conheci nos Alpes de Haute Provence na França.
Então, o que acharam? Mal posso esperar para ler seus comentários
Virginia, que aventura maravilhosa, mas o perigo sempre rondando, como você falou: é preciso tomar muito cuidado para enfrentar as dificuldades. No caminho você vai percebendo quanto vale a pena essa experiência, lugares lindíssimos, além da oportunidade de conhecer pessoas e desfrutar da hospitalidade de alguns. Beijo pra você a para o Alain. Esse casal vai longe.
Verdade, Helena! Uma experiência que vale para fortalecer e enfrentar os perigos da vida. Cada desafio é uma dose de coragem que ainda não está a venda nas farmácias. E claro, essa oportunidade de descobrir novos e belos lugares, pessoas e culturas. Acho que quando alcançamos o pico da montanha da vida e sabemos que vamos começar a descer, queremos aproveitar ao máximo tudo que esse pico pode nos oferecer.
Virginia, que aventura maravilhosa, mas o perigo sempre rondando, como você falou: é preciso tomar muito cuidado para enfrentar as dificuldades. No caminho você vai percebendo quanto vale a pena essa experiência, lugares lindíssimos, além da oportunidade de conhecer pessoas e desfrutar da hospitalidade de alguns. Beijo pra você a para o Alain. Esse casal vai longe.
Verdade, Helena! Uma experiência que vale para fortalecer e enfrentar os perigos da vida. Cada desafio é uma dose de coragem que ainda não está a venda nas farmácias. E claro, essa oportunidade de descobrir novos e belos lugares, pessoas e culturas. Acho que quando alcançamos o pico da montanha da vida e sabemos que vamos começar a descer, queremos aproveitar ao máximo tudo que esse pico pode nos oferecer.
Minha prima entre ser uma highlander e uma mulher maravilha. So de ler ja desequilibro e morro de medo.
Para combater o medo, só realizando.