A subida do Grand Coyer é a grande aventura de hoje.
A cada vez que aceito o desafio de subir uma montanha, eu me permito distanciar da frenética e trágica corrida da folia humana.
Na companhia do vácuo, eu encontro o silêncio e melhor compreendo Nitzsche e seu Zarasthoustra.
Na montanha, eu me recarrego de persistência e paciência. O medo é minha arma contra o perigo e a respiração difícil, a faxina necessária para deixar a mente viajar na imaginação e se abastecer de inspiração.
Estar no seu topo é poder olhar para baixo e ver tudo minimizado e insignificante diante de tamanha imensidão.
Nas alturas, o aprendizado é direto. Pisar em falso e dar asas ao perigo.
A sobrevivência ocupa todo o espaço, onde muitas vezes até a própria sombra temerosa se esconde.
Dessa forma, alcançar o cume é conseguir enxergar a simplicidade da vida como animal.
É testemunhar um estado em que corpo e mente se reencontram em uma euforia natural, que cria uma dependência salutar.
Acima de tudo, quem sobe uma vez, quer sempre retornar, mesmo que o percurso seja difícil e o coloque lado a lado da tênue linha da existência.
A montanha de Grand Coyer
O Grand Coyer, 2.693 metros de altitude, foi mais uma das montanhas francesas que eu aceitei o convite para descobrir.
Não foi a mais alta que já consegui subir, contudo, inegavelmente é um dos mais belos percursos e de grande aprendizagem pessoal.
Assim como o Mont Saint-Honorat, o Grand Coyer se distingue como parte do massif du Pelat.
Certamente, existem várias opções de trilhas para ter acesso a essa montanha. Contudo, nós decidimos escolher um trajeto mais próximo de Méailles.
E para isso, fizemos duas tentativas partindo de Peyresq, sem sucesso.
A terceira tentativa foi de um charmoso vilarejo chamado Ondres, que pertence a cidade de Thourame-Haute, no departamento dos Alpes da Alta Provença.
Trilha Grand Coyer por Ondres
Passava um pouco das 8 horas em uma temperatura de 4⁰ graus, em pleno outono, quando começamos a atravessar Ondres, situado a 1340 metros de altitude.
Se naquele momento havia algum habitante era impossível saber . O silêncio era total.
Apenas um pequeno cachorro veio nos dar boas-vindas.
Na França, existem várias aglomerações de casas em montanhas, afastadas da cidade , que chamam de hameau, que na maioria dos casos são habitadas em algumas estações específicas, conforme a localização.
A estreita trilha em direção ao Grand Coyer começou na sequência da única rua de Ondres.
Já de início apresentou uma subida constante, mas de inclinação moderada, o que ajudava a esquentar o corpo.
Mas o piso pedregoso exigia cuidado para não escorregar.
Ainda mais que em montanha, um trajeto pode de uma hora para outra apresentar diferentes graus de dificuldade e sensações. Com efeito, foi o que aconteceu.
Na trilha haviam partes delicadas com deslizamentos de pedras
Depois de momentos que permitiram admirar a paisagem, atravessamos curtas partes delicadas com deslizamentos de pedras que nos conduziu a uma floresta.
Entretanto, esse trecho é mal sinalizado. Assim sendo, próximo a uma cabana, tivemos que consultar o mapa para ter certeza que nosso caminho continuava à esquerda.
Cabanas na floresta
Ao entrar na floresta passamos por mais uma cabana e pasto para rebanho, mas sem susto de encontrar um patou.
Nesse platô , já a 1.992 metros de altitude, a sinalização não indicava a direção para o Grand Coyer, mas como sabíamos a localização da montanha, optamos por seguir a indicação da Cabanes du Pasquier e Plan de Rieu pegando o ” sentier d’Abel“, nome dado a essa parte do trajeto em homenagem a um jovem de 16 anos, atingido por um raio, durante caminhada no local.
Um pouco a frente, uma placa indicando o Lac de Lignin, que fica ao lado da base do Grand Coyer, nos dava a certeza que estávamos na trilha correta.
Durante um bom tempo, caminhamos entre árvores que pareciam compor um belo quadro da natureza e nos proporcionava um frescor na medida certa.
eventualmente, pequenos momentos que podíamos baixar a guarda e deixar o pensamento se distanciar. Apenas as pernas seguiam em frente sem parar.
Desse local, quando havia alguma clareira, avistávamos, por um novo ângulo, vários de nossos trajetos em montanhas em torno de Méailles e Peyresq.
De novo nos encontramos em um ponto duvidoso, sem sinalização, consequentemente , com mais de uma trilha como opção.
Nesse sentido, prosseguimos pela esquerda. Depois de uma leve subida , cruzamos mais uma cabana de pastor.
Sobe e desce na trilha
Cada passada nos aproximava do Grand Coyer.
Surpreendentemente, a caminhada mesmo com o sobe e desce, mas em terreno amplo, transcorria tranquila.
Finalmente, cerca de 4h30, chegávamos na última sinalização sentido Grand Coyer.
A montanha estava na nossa frente, mas como uma ilusão de ótica.
Por outro lado, não sabíamos que para avançar na contagem regressiva precisávamos vencer a última etapa,
desta vez novamente em uma trilha contornando montanhas rochosas, com trechos difíceis de acreditar ser possível transpor.
A primeira pisada no pico do Gran Coyer
Por fim, chegamos lá, após mais duas horas de passo a passo com olhar e mente concentrados.
Um final digno de fazer da primeira pisada no pico um momento de superação e satisfação singular e ter certeza que valeu a pena.
Lago Lignin
O lago Lignin estava seco, mas nem por isso diminuiu a beleza da paisagem.
Antes de tudo, uma pequena pausa para simplesmente admirar, deixar por conta do vento a quebra do silêncio e digerir um pequeno lanche , enquanto a mente se preparava para retornar pelo mesmo caminho, porém, conhecido.
De tal forma que a vontade era procrastinar, mas o trajeto que nos aguardava era longo.
Por certo, o melhor era vencer rapidamente os obstáculos antes da noite chegar.
Partimos!
Seja como for, o que eu não esperava era ser surpreendida por uma caimbra e na coxa, algo que experimentava pela primeira vez e justo no trecho mais delicado da travessia .
Após uma breve parada continuei passo a passo lentamente quando escutei vozes.
Parei e não acreditei.
Ciclistas na montanha de Grand Coyer
Eram dois ciclistas. Parecia uma visão. Quase me belisquei para ter certeza que continuava viva.
Mas eles eram reais e, no meu entender, totalmente loucos.
Nesse sentido, dar espaço para passarem com suas bikes foi uma logística complicada, mas só para mim.
Como resultado, eu grudei na montanha e eles passaram no lado aeriano na maior tranquilidade.
Nesse meio tempo, fiquei acompanhando até eles finalizarem o trecho com sucesso e confesso que eu me senti um pouco ridícula de ter medo.
A partir daquele momento, o retorno foi mais tranquilo.
Mesmo assim, meu companheiro decidiu passar a corda nas próximas partes pedregosas e delicadas.
Decidi não questionar. Não sei se por preguiça de ter que argumentar.
Em geral, minha tendência é recusar qualquer peso a mais para carregar . Todavia, tive que me conformar.
Finalmente, às 18h45 estávamos de volta à Ondres, após percorrer cerca de 25km em quase 11 horas de caminhada.
Se gosta de percorrer longa distância, montanha, natureza e novas experiências, vale a pena se programar e se aventurar na trilha do Grand Coyer quando estiver na França.
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Até a próxima!
Que maravilha!! Desfrutar a paisagem e o silencio e poder interagir com seu Eu Superior!!!! Sem preço
Verdade. A Natureza é generosa.
Imagino que o medo do desconhecido é sempre superado. Mas as lindas paisagens são sempre o melhor a ser desfrutado. Estou me preparando pra seguir de bike em Bordeaux, conhecer as vinícolas pelo caminho. Nada a ver com a sua aventura pelos Alpes franceses, mas já é um bom começo. Quem sabe? rs beijo
Que maravilha! Eu ainda não conheço Bordeaux, mas está na minha lista. No verão, eu dei algumas voltas de bike, mas estou reaprendendo. O pior é que para sair da cidade que estou tem uma descida sinistra em uma estrada de montanha estreita. Mas nunca é tarde para recomeçar. Você vai fazer o circuito com um grupo?