De volta à França e aos percursos franceses bem como alcançar o topo da Roche de l’Abisse ( 2.755 metros de altitude) teve um sabor de vitória diferente.
Depois de um giro pelas montanhas bolivianas, uma pneumonia e alguns meses sem atividade física. Mente e corpo pediam um retorno.
Dessa forma, foi em uma montanha franco-italiana, que eu abri minha temporada 2023 de descobertas, trekkings e muitas aventuras.
A Roche de l’abisse fica à 98km de Nice e cerca de 190km de Meailles, pequena cidade localizada no Alpes da Alta Provença, de onde partimos às 5 horas, ainda escuro.
Logo na saída de Meailles, alguns pequenos animais, entre esses uma raposinha, cruzaram rapidamente a estrada na frente do carro. Isso me faz sentir em plena natureza e me recarrega de energia.
Nosso destino inicial era Sospel, uma pequena cidade francesa nos Alpes Marítmes — trajeto entre Nice e a cidade italiana Ventimiglia — para encontrarmos um casal de franceses que me havia convidado a conhecer o percurso Roche de l’Abisse.
De Sospel, partimos em um só carro em direção ao início da trilha, um verdadeiro oásis que começa próximo ao vilarejo de Castérino.
Largada para Roche del’Abisse
Com efeito, eram 8h40 min, quando eu e três franceses começamos nosso trekking.
Eu era a mais nova do grupo, no auge dos meus 65 anos.
Acima de tudo, esse é um dos motivos que me encanta na França. Aqui, enquanto existem pernas para caminhar, pulmão para superar altitudes, e mente para comandar, a idade é apenas uma consequência cronológica acumulativa de experiência de vida que não impede os franceses de se movimentarem, partirem em aventuras, por vezes arriscadas, e, principalmente se sentirem ativos e vivos.
Em contrapartida, confesso que parti um pouco apreensiva sobre a minha capacidade física de vencer o desafio.
Afinal, esse era meu primeiro teste de avaliação sobre a recuperação pós pneumonia em um trajeto com desnível positivo e negativo de cerca de 950mts, sem contar as surpresas que o caminho iria me apresentar em grau de dificuldades, pois não se pode desprezar os imprevistos, temperatura , entre outros, em montanhas.
Inegavelmente, o tempo parecia colaborar. Um dia de sol na medida certa para caminhar.
Subida para Roche de l’Abisse
Assim sendo, a primeira parte do trajeto, em torno de 1h30min, nos mostrou uma paisagem de vegetação e flores, com pequenas subidas , descidas e planos, trilha que permitia apreciar a bela paisagem e fazer um aquecimento perfeito sem grandes dificuldades.
À medida em que subíamos e nos aproximávamos da montanha, por vezes aparecia um deslizamento de pedras para atravessar.
De tal sorte que nesses locais era preciso atenção redobrada para saber onde colocar os pés.
Eram pedras de diferentes tamanhos e soltas umas sobre as outras.
De maneira idêntica,mesmo em um terreno plano ou com pouca inclinação há risco de torcer o pé ou mesmo perder o equilíbrio e cair.
Dessa forma, eu procurava seguir o conselho dos experientes caminhantes franceses e buscar as pedras mais planas e maiores para pisar.
A boa sinalização garante um trekking mais seguro
A vantagem que o percurso é bem sinalizado.
Ao longo do caminho pudemos avistar o forte de Giaure, uma antiga instalação militar italiana para defesa do local chamado Col de Tende, localizado à 2.254 metros de altitude.
Atualmente parte do forte é totalmente encoberto de vegetação e incorporado à paisagem. Um convite à visitação, mas seguimos em frente.
Um longo caminho ainda nos esperava.
A trilha para Roche de l’Abisse tem trechos bastante íngremes
À medida que avançávamos em direção ao pé da Roche de l’Abisse, a trilha tornava-se mais inclinada, estreita e, por vezes, entre pedras.
Em fila indiana seguíamos em direção ao topo da montanha e eu, quase sempre na última posição, ou como chamam “lanterne rouge” que nós brasileiros abreviamos para lanterna.
Às vezes que parava para uma foto e tinha que acelerar o passo para alcançar o grupo, eu sentia que ainda não estava 100% em forma.
Mas nada que me impedisse de prosseguir. Ao contrário, são nesses momentos de caminhadas, que eu consigo perceber com maior nitidez o que o meu corpo tem a me dizer.
Como se fizéssemos um diálogo direto. Algo impossível de acontecer na frenesi dos momentos de vida urbana.
Assim, entre passadas, e mesmo em um grupo, eu aproveitava para divagar em pensamentos.
Minha caminhada interior solitária acompanhava meu passo a passo e por vezes acionada por algo que acontecia durante o percurso, como ser ultrapassado por um senhor de aspecto frágil e idade avançada, justamente na parte mais íngreme em direção ao topo do rochedo.
Vê-lo distanciando, com uma passada firme e determinada era um incentivo e também bom motivo para refletir.
Essa coragem dos trekkers, com uma idade classificada por muitos como o momento de abandonar as chuteiras, me renova.
Na França, eu sinto que a vida deixa o controle nas mãos de cada condutor sem carteira de motorista com prazo de validade.
Aqui, a barreira dos 60 se transforma em largada para uma nova fase e não fim da linha.
Alcançando o Pico da Roche de l’Abisse
Eram 12h15 e com pouco mais de esforço físico e mental alcançamos ao ponto mais alto da Roche de l’Abisse, que nos presenteou com uma paisagem de tirar o fôlego que ainda restava.
Eu ainda não encontrei palavras que definam essa emoção de estar diante de uma vista panorâmica de cadeias de montanhas francesas e italianas.
Bem diante de meus olhos, o monte viso ao fundo destacava-se e emprestava sua beleza para o registro: eu estive aqui.
Porém o espaço no pico era estreito e todo o cuidado era necessário ao movimentar-se, principalmente na empolgação de belas fotos como as dos lagos de Pereifique vistos de cima.
Encontramos algumas placas de homenagens póstumas à italianos pregadas nas rochas, mas que não consegui saber ao certo se essas pessoas se acidentaram ali ou eram frequentadores e amantes do local.
Encontro com outro caminhante no topo da Roche de l’Abisse
O senhor que havia nos ultrapassado no percurso estava lá. Ele aguardava o seu companheiro de trekking que havia estendido sua aventura até a outra ponta da rocha. Travessia que preferimos não testar nossa resistência à vertigem. Afinal, a paisagem era praticamente a mesma. Não valia a pena arriscar.
Aproveitamos a oportunidade para bater um bom papo com o senhor italiano, tirar uma foto e matar a curiosidade. Um verdadeiro encontro de línguas latinas ( italiano, francês e português) nas alturas. Ele contou que faz esse percurso todos os anos há 25 anos.
A conversa estava animada, mas era hora de retornar. O caminhante de 83 anos despediu-se com um esfuziante e contaminante “fino al prossimo anno” ( até o próximo ano). Em coro, repetimos sua frase, antes de pegarmos o caminho de volta. Ele em direção à Itália e nós, à França.
Piquenique no alto da montanha
Um pouco abaixo do pico, em um local mais amplo, sentamos para fazer um piquenique e mais uma surpresa nos aguardava. Uma linda fêmea chamois, ou cabra de montanha, que nós observava desconfiada à distância.
Além dos depredadores naturais, infelizmente, esses animais estão sempre na mira da caça esportiva, praticada pelo homem por simples prazer, algo que não compreendo.
A vontade era de ficar sentada conversando e aproveitando a paisagem, contudo sabíamos que um longo trajeto de retorno com subidas, descidas e pedras nos aguardava.
Caminhada de volta
Por volta de 16h30 finalizamos nosso trekking depois de quase 8h de caminhada, incluindo inúmeras paradas sem disputa contra o relógio.
Nesse sentido, fazendo os descontos, é uma caminhada possível de ser realizada tranquilamente entre 6 a 7 horas.
Definitivamente foi um belo e inesquecível percurso para abrir a temporada de montanhas e florestas francesas na região da Provence Alpes, Côte d’Azur.
Até a próxima…
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