Trekking Condoriri na Cordilheira Real

Finalmente chegou o dia do trekking Condoriri na Cordilheira Real, nosso principal objetivo de planejar a viagem para Bolívia.

 

Contratando a agência que nos guiaria ao Condoriri


Depois de visitar várias agências, com algumas diferenças de preço, trajeto e objetivos ( trekking, alpinismo etc) contratamos o trekking no maciço Condoriri, onde localiza-se a montanha do mesmo nome com 5.648 metros de altitude na Cordilheira Real, Departamento de La Paz, Província de Los Andes. O valor para duas pessoas foi o equivalente a 200 euros no câmbio do dia.

Quando contratamos a agência, a atendente havia dito que seríamos quatro pessoas mais o guia.  Na mesma ocasião, ela também nos passou um roteiro para os três dias, que começaria com uma caminhada até o pico Áustria com 5.320 metros de altitude.  Na sequência,  explico porque eu sublinhei esse fato.

Essa expectativa de experimentar algo novo me provoca sentimentos extremos, indo do medo ao prazer, mas que me estimulam a desafiar o estigma idade e seguir em frente diante dos obstáculos e banalidades que se apresentam no cotidiano da vida. Sempre gostei de experimentar algo novo, descobrir novos lugares, conhecer outras culturas. Sempre acreditei valer a pena sair do meu espaço de conforto, dar um ” au revoir” à monotonia, ainda que  no balanço final tenha mais contras do que prós.

 

Rumo ao trekking Condoriri na Cordilheira Real


Finalmente, partimos por volta de 8h30, após uma noite mal dormida, em consequência da expectativa em realizar o trekking em uma altitude que jamais realizei e também para não perder a hora. Quando o carro da agência chegou no hotel , era conduzido por um senhor que imaginei ser o motorista guia,  logo depois soubemos que não era.

No trajeto, pegamos um jovem que assumiu o volante e em seguida paramos em El Alto, a segunda maior cidade da Bolívia, situada na região metropolitana de La Paz. Neste local, no que me pareceu uma feira , o representante da agência desceu para comprar os alimentos para as refeições durante o trekking. Nessa oportunidade, aproveitei para perguntar ao motorista sobre os dois turistas que também iriam conosco. Ele apenas respondeu que haviam cancelado. Nesse momento, meu desconfiômetro, misto da origem mineira criada na selva urbana carioca, entrou em ação. Apesar disso, não comentei com o parceiro francês pois ele continuava tranquilo, apenas preocupado em registrar os lugares por onde passávamos.

Paradas para compra de suprimentos

Cada parada para compras, abastecer o carro e etc, eram horas do trekking que perdíamos. Eu pensava em silêncio. Após deixar as compras no carro, o representante da agência se despediu.
Enfim, seguimos em frente com o jovem motorista e acreditei em direção ao nosso destino: Cordilheira Real. Porém, ainda tivemos uma outra parada. Dessa vez em frente a uma casa situada no meio de um campo, onde havia outras casas espaçadas. O motorista desceu, conversou alguns minutos com dois homens. Eu de longe tentava acompanhar os gestos, já que o diálogo era impossível. A todo momento, eu me lembrava que não havia passado o nome da agência para algum familiar, contudo,  não ousava comentar com o tranquilo francês. Ele iria dizer que era minha criatividade de roteirista em ação. Da mesma forma, se algum de meus filhos estivesse lá, diria ser o faro jornalístico, profissão que insiste em me acompanhar nas aventuras.
Por fim, após esperarmos alguns minutos, o motorista retornou para o carro com um homem sorridente que nos apresentou como nosso guia para o trekking Condoriri na Cordilheira Real.

 

Início do trekking Condoriri na Cordilheira Real

Apesar de ter um nome de origem alemã, Franz, seus traços não deixavam dúvidas sobre sua descendência indígena e da terra sul-americana. A primeira impressão era que ele estava um pouco acima do peso para o que eu imaginava ser um guia de montanha e desportista.
Depois de uma manhã com várias paradas, finalmente pegamos a estrada das montanhas em direção à Condoriri.

 

Trekking Condoriri na Cordilheira Real
Riconada -ponto de partida para o trekking Condoriri – Cordilheira Real – Bolívia

 

Eram 11h40 quando chegamos à Rinconada. Nosso ponto de partida para o trekking. No local havia outros carros e grupos de pessoas retornando. Por fim, motorista se despediu e disse que nos buscaria ao final do trekking.

Início da trilha trekking Condoriri

 

Trekking Condoriri – Cordilheira Real – Bolívia
Percurso trekking Condoriri partindo de Rinconada na Cordillheira Real
Início do Percurso Condoriri- Rinconada


Inegavelmente fazia frio e o céu estava cinza, nada ideal para belas fotos. A partir desse ponto, eramos nós dois, Franz e o que nos aguardava no misterioso maçiço Condoriri, nome de origem aymará, que significa “cabeça de condor” .

 

Trekking Condoriri na Cordilheira Real
Início do trekking Condoriri – 4.480 metros de altitude

 

Já partíamos de uma altitude de 4.480, de tal forma que o vento frio e a chuva fina não deram descanso, o que tornava o caminho um pouco mais difícil, naquela altitude e com o peso da mochila.
Nesse momento, eu agradecia a gentileza do francês de portar nossos dois sacos de dormir inclusos no pacote da agência e também a minha capacidade de cada vez mais simplificar o que levar na mochila . Desse modo eu carregava apenas meus pertences estritamente necessários, além de alguns petiscos e água.

 

Início da trilha para Laguna Chiar Khota – trekking Condoriri

 

Considerando caminhadas de longo percurso


Para caminhar uma longa distância é prudente reduzir ao máximo tudo que pode fatigar porque o peso  é um componente inimigo do bom desempenho. Pior ainda se a caminhada for em uma montanha, pois o efeito nefasto se multiplica proporcionalmente à altitude de onde está. Em outras palavras, é como reaprender a caminhar. É preciso recalcular a velocidade da sua passada.


Enquanto caminhava, eu viajava em pensamentos e me lembrei da maratona e o que me fascinava em participar dessa prova que precisa ter estratégia, saber respirar corretamente , poupar energia e não apenas preparo físico. Nesse sentido, esse é um dado importante que muitos esquecem de computar. 

Igualmente, na montanha é preciso o mesmo cuidado. Vencer os obstáculos é duro, mas motivante, eu diria uma linha tênue do que chamaria de viciante. Cada passada em frente na altitude é um prazer de vitória. Consequentemente, completar todo o percurso tem um efeito fortificante imediato, mesmo que seu corpo pareça em estado de fadiga total.


Todavia,  em todo esse processo não se pode ignorar os sinais do mal de altitude. Se esses aparecerem é preciso ser prudente, escutar o próprio corpo e se preciso for, recuar, mesmo que a vontade seja avançar.

Trekking Condoriri – trajeto Chiar Khota – Bolívia.
Paisagem Condoriri – Cordilheira Real – Bolívia

 

Refúgio na Laguna Chiar Khota


Pelo caminho, cruzamos apenas com um grupo que retornava do trekking. Talvez o mal tempo foi um fator para que muitos desistissem.

Foto: Alan Lesimple. Refúgio Laguna Chiar Khota – trekking Condoriri – Bolívia.


Depois de uma hora, chegávamos ao campo base de Condoriri, o que significava 4. 650 metros de altitude e uma bela vista que fazia valer a pena e esquecer todo o esforço físico.
No campo base, já havia um outro grupo e Franz nos apresentou o que seria nosso quarto no alojamento.

 

Quarto no refúgio na Laguna Chiar Khota – Condoriri – Cordilheira Real – Bolívia


A primeira impressão foi a pior possível. O quarto tinha mofo nas quatro paredes. Nesses momentos em que não há opção, o melhor é não perder tempo em lamentar já que dormir fora do abrigo, naquela temperatura, estava fora de cogitação. Enquanto nos refazíamos da primeira impressão, Franz preparava nosso lanche. Ainda assim, eu nem quis checar a cozinha, mesmo que a força do hábito de trabalhar em coberturas de bastidores de filmes me induzisse a especular, esse, eu preferi não conhecer. Era o que tínhamos no momento.

 

Foto: Alan Lesimple. Refúgio na Laguna Chiar Khota – Trekking Condoriri – Cordilheira Real

 

 


Depois do lanche, eu vi o outro grupo se preparando para sair . De antemão, achei estranho que Franz continuasse tranquilo. Principalmente porque subir o Pico Áustria, a 5.350 metros de altitude, demandaria um pouco de tempo, ainda mais com chuva e vento frio. Como ele não tomava a iniciativa de nos chamar, decidimos perguntar quando partiríamos para subir o Áustria. Ele respondeu que achava melhor não tentarmos porque era uma caminhada difícil e sugeriu uma volta em torno do lago.

Caminhada até o glaciar

Não posso afirmar, mas acho que não deu muito crédito à nossa capacidade de caminhantes. Resolvi argumentar que tínhamos preparo físico e desejo de fazer a caminhada proposta quando fechamos o contrato. Foi nesse momento, vendo que não desistiríamos facilmente do nosso roteiro,  que ele resolveu argumentar que o tempo estava muito ruim e consequentemente seria perigoso esse trekking.  Por outro lado, isso era algo que não poderíamos insistir, pois não conhecíamos as condições para executá-lo.

Diante da nossa insatisfação visível, Franz decidiu sugerir uma caminhada até um glaciar em um dos caminhos de acesso ao pico Condoriri.

 

Laguna Chiar Khota – Condoriri – Cordilheira Real – Bolívia.
Caminhada em direção ao glacier maciço Condoriri – Cordilheira Real Bolívia.

 

Contornando a Laguna Chiar Khota

 

Por fim, partimos contornando a Laguna Chiar khota pelo lado esquerdo. Nós o seguimos sem muitas perguntas e sem saber exatamente onde estava nos levando.

Franz demonstrava uma grande disposição, enquanto eu fechava a fila indiana e começava a sentir dificuldade quando saímos da borda da laguna para começar a subir. Não era uma inclinação absurda, mas por um caminho continuo e estreito de pedras, o que tornava a subida mais difícil naquela altitude.

Eu não tinha a dor de cabeça do mal de altitude, porém começava a me sentir estranha à medida em que avançava no trajeto. Pensei que talvez fosse efeito do vento frio.

 

Foto: Alan Lesimple. Trajeto em direção ao glaciar – maciço Condoriri – Cordilheira Real – Bolívia.
Foto: Alan Lesimple. Caminho para o glaciar do maciço Condoriri
Foto Alan Lesimple. Caminhada ao glaciar da Laguna Chiar Khota – Cordilehira real – Bolívia.

 

Mal de altitude


Franz e meu companheiro francês já haviam alcançado o platô do glaciar  enquanto eu, faltando poucos metros, comecei a sentir falta de ar. Essa sensação me apavorou e o pavor, acredito, piorou a falta de ar e me fez deixar o drama se instalar. Por décimos de segundos achei que iria morrer e viajei no filmezinho da minha vida. Questionei o que estava fazendo ali.  Fiz promessa para o universo. Mas no fundo só tinha a certeza que não seria ali minha última caminhada. De volta ao controle do pensamento, eu parei e disse que não poderia continuar.


Franz desceu e esperou que minha respiração voltasse ao normal e dessa forma eu segui em frente sem problema até alcançar o platô. Talvez tenha sido o mal de altitude disfarçado em outro sintoma.

 

Foto: Alan Lesimple. Grupo treinando alpinismo no glacier – caminho de acesso ao pico Condoriri .

 


Só depois de retornar à La Paz pude saber que naquele momento estávamos à 5.100 metros de altitude. Afinal, em um trekking em montanha, 100 metros acima do seu limite suportável pode fazer uma enorme diferença. Por isso é sempre recomendado e importante estar 100% conectado com o que o seu corpo tem a dizer ou mostrar.

Caminho de volta


Eram quase 15h30.  No local, o grupo de jovens que havíamos encontrado no campo base, estava treinando escalar uma parte coberta de neve. Em princípio,  tínhamos a impressão de  estarmos próximos do imponente Condoriri, mas era só impressão. Enfim,  a distância em montanha por vezes nos engana. Até o alto da cabeça do Condor, como chamam o ponto mais alto da Condoriri, ainda tinha um longo caminho com alguns delicados trechos que necessitavam de corda. Portanto, não seria dessa vez que eu teria o privilégio de conhecer a vista do pico do Condoriri. Ou seja, não era o programado.

 

Foto: Alan Lesimple. Caminho de volta em direção à Laguna Chiar Khota – Condoriri
Foto: Alan Lesimple. Caminhando em direção à laguna Chiar Khota tendo como fundo Condoriri
Foto: Alan Lesimple. Glagier e Laguna Chiar Khota – trekking Condoriri – Cordilheira real – Bolívia.


Finalmente pegamos o caminho de volta. Apesar de não gostar de descida, dessa vez entendi e concordei com a expressão ” para baixo todo santo ajuda”. Embora as descidas em montanhas precisem de atenção redobrada, pois uma escorregada pode ser fatal.

Foto: Alan Lesimple. Borda da Laguna Chiar Khota – Trekking Condoriri.


Agora, decidimos retornar ao campo base pelo sentido contrário ao que havíamos feito na ida.  Dessa maneira, daríamos uma volta completa na Chiar Khota.

 

Foto: Alan Lesimple. Laguna Chiar Khota e glacier – Trekking Condoriri.
Foto Alan Lesimple. Lhamas ao longo da Laguna Chiar Khota


Foi só neste retorno que pude curtir a paisagem, ou melhor, pude me sentir parte dessa pintura da natureza. Nesse sentido, o nosso encontro com uma trompa de lhamas, cada um respeitando o espaço do outro, me vez enxergar a vida com lentes coloridas. Definitivamente,uma boa, bela e energizante caminhada para abrir o circuito Condoriri.

Entre montanhas e pedras, um banheiro – Refúgio da Laguna Chiar Khota

 

Regresso ao alojamento 


Por volta de 17 horas já estávamos novamente no alojamento do campo base.  Franz preparou nosso almoço/jantar.

Na ocasião, fiz um banho higiênico , sem ducha, mas ao estilo caneca e água congelante. O que era possível no momento em um banheiro improvisado e sem estar limpo no sentido próprio da palavra.

Posteriormente nos preparamos para deitar totalmente vestidos, até mesmo com o capuz do casaco de frio para enfrentar o que nos esperava naquela madrugada congelante em um colchonete no chão e , portanto, úmido e mofado.  Apesar de tudo, não dava para pensar muito, porque não tinha como desistir. Afinal, o desconforto faz parte da aventura.

Dessa forma, entrei no saco de dormir. O corpo e a mente estavam cansados o que consequentemente facilitou pegar no sono mais rápido do que eu imaginava. Contudo,  foi uma noite alternada entre dormir e acordar, um sono picado, devido ao barulho das pessoas que chegavam ou saiam do alojamento, além de uma janela que batia à força do vento, do frio na madrugada que nevava e da minha expectativa sobre o dia seguinte.

 

Foto: Alan Lesimple. Amanhecer no refúgio da Laguna Chiar Khota.

 


Desde cedo já estávamos em pé preparados para a aventura que nos aguardava nessa cordilheira de paisagem que enfeitiça e faz esquecer o perrengue para descobri-la.

Continuamos no próximo post.
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Comments

    • Virginia Prado says:

      Aguarde um pouco, porque estamos ajustando a edição. Daqui a uma hora ou mesmo antes já vai estar no ar.

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