Pico da Pedra Selada, o percurso da liberdade

Texto: Virginia Prado

Fotos: Alain Lesimple

Pico da Pedra Selada é o meu percurso da liberdade. Foi uma aventura Inesquecível que meu desejo de liberdade buscou nas boas lembranças, enquanto o vírus continuava seu trajeto pandêmico, deixando nossas vidas em estado de espera. Em 2020, durante um breve respiro da ação devastadora do Covid19, eu peguei carona na companhia de um francês para buscar na natureza a minha fonte de energia e alguma inspiração para escrever.

A escolha do percurso da liberdade

 A princípio, o pico entrou na nossa programação como parte do pacote turístico Maringá. Para quem não conhece, uma charmosa vila que fica a 200 km do Rio de Janeiro, no eixo RJ-SP, entre Visconde de Mauá e Maromba, na região dos municípios de Resende, Itatiaia e Bocainas de Minas. Além disso, o interesse em incluir Maringá na bagagem de descobertas no Brasil foi cultivado durante seis meses de longas conversas.

Inicialmente, em pleno confinamento e a 9 mil Km de distância, era apenas um plano de viagem. Finalmente esse dia chegou, mais cedo do que eu pude imaginar, e o que era sonho materializou-se.

De antemão,confesso que senti calafrios só de pensar: será que ele vai gostar? Afinal, gostar é algo pessoal e subjetivo. Nesse sentido, a única forma de saber era deixar acontecer. Não havia tempo a perder. O vírus era incansável e apenas dava uma pequena trégua, como depois se confirmou.

Assim, incorporei o papel de guia e pegamos a estrada rumo a esse paraíso terrestre, que tem um lado mineiro e outro, carioca. Essa é a Maringá, com muito verde, montanhas e cachoeiras para aproveitar. Um lugar onde o tempo parece caminhar bem devagar. Um local ideal para um percurso da liberdade  bem como para repor a energia perdida na agitada vida urbana de uma metrópole.

Um cenário perfeito para se libertar

Um cenário perfeito que começa a partir de uma pequena estrada de cerca de 30 Km entre Penedo e Visconde de Mauá. Uma subida de serra com uma vista de fazer querer parar só para admirar. Porém, é preciso ficar atento para não se distrair com a paisagem porque a estrada tem muitas curvas. Eventualmente vale estacionar nos mirantes para fotografar e poder respirar o ar puro da serra.

Maringá fica cerca de 5Km de Visconde de Mauá e oferece diferentes tipos de hospedagens. No nosso caso, decidimos por um chalé em uma aconchegante pousada. Um cantinho encravado no verde, onde nos sentimos acolhidos, apesar da distância social imposta pelo momento.

Na realidade, uma nova e estranha maneira de se relacionar, que  de início imaginávamos passageira, contudo até hoje permanece e sem prazo para terminar.

A região tem inúmeras opções de lazer ao ar livre, como caminhadas, banhos em cachoeiras e cavalgadas. Por vezes, difícil escolher.

Pico da Pedra Selada

Nesse sentido, conhecer o Pico da Pedra Selada foi o nosso destino ao acordar. O começo da trilha, que conduz ao pico, fica a 15Km de Maringá, na direção de Campo Alegre e Rio Preto. Acima de tudo é preciso ficar atento, porque uma distração e pode passar direto e não perceber a discreta placa que sinaliza o ponto de partida, que fica dentro de uma fazenda.

entrada do Pico da Pedra Seladas
Entrada para a trilha da pedra selada. Início do nosso percurso da liberdade

 

No local  há uma pequena lanchonete, banheiros e estacionamento. Pagamos R$12 reais por pessoa pelo direito a utilizar a trilha e R$10 reais pelo estacionamento. Logo ao partir, a funcionária frisou que o percurso exige preparo físico e orientou retornar antes do pôr do sol, pois  o trajeto torna-se um verdadeiro labirinto no escuro. Pode ser apenas uma falsa impressão, mas penso que ela teve dúvidas se a dupla sênior seria capaz de concluir o trajeto.

Nosso percurso para liberdade exige preparo físico

Atingir o ponto mais alto, a 1.755m de altitude, é considerado bem difícil. Realmente exige preparo, mas nada impossível. O percurso, apesar de relativamente curto, com cerca de 3Km, é de subida constante, o que dá a sensação de aumentar a distância. Da mesma forma,  tem algumas inclinações que fazem qualquer um questionar o que o motivou a estar lá. Uma resposta que só vai ter quando alcançar o topo. Ainda assim, no começo já dá para ter uma ideia do que vai encontrar pelo caminho: uma vista  estonteante que faz a respiração falhar só para permitir apreciá-la e também relaxar um pouco.

É uma trilha que ao mesmo tempo agrada aos olhos e testa as resistências física e mental. Dependendo do dia, e se for daqueles  em que o sol resolveu fazer companhia logo na largada, o jeito é abstrair-se para encarar uma subida totalmente descampada. Seja como for, dar meia volta não é a melhor opção, embora passe pela cabeça. Por isso vou logo avisando que esse trecho não ultrapassa o limite suportável e para quem quiser se refrescar tem até um acesso a uma cachoeira, antes de continuar a subir.

Em seguida, o percurso da liberdade entra de fato na floresta. Corpo e mente agradecem até perceberem que o piso é de terra e com cascalhos que fazem escorregar como casca de banana. Nas subidas, mas principalmente nas descidas, todo cuidado é pouco e um sapato apropriado mais do que importante. O que não foi o meu caso, que calçava um par de tênis de corrida no asfalto.

De Cinderela a Gata Borralheira com pés descalços

Esse foi o exato momento da Cinderela da floresta transformar-se em Gata Borralheira. E confesso que em alguns trechos desci sentada. Ainda bem que sem testemunhas, fora o francês.

Depois de algumas deslizadas de deixar envergonhada, decidi optar pelos pés descalços.

Nesse sentido, nem tentei adivinhar o que passou na cabeça do meu companheiro de aventura. Encarnei aquele estilo selvagem, com ar de estar habituada ao contato direto dos pés ao solo.

Evoquei a minha origem indígena, se é que a tenho, e prossegui, embora meus pés, ainda sob o efeito da agressão repentina, continuassem insistentemente a gritar. Ainda assim, eu me solidarizava em pensamento e prometia um tratamento vip no retorno à pousada.

Acima de tudo, naquele momento, o importante era a sensação de maior autocontrole. Apenas sensação porque foi preciso um cuidado redobrado para não pisar em pedregulhos, galhos ou mesmo cobras.

Segui em frente com um olho no chão e outro no trajeto, sempre permitindo aos dois juntos admirar a beleza da floresta.

Percurso pequeno, mas cheio de emoções

Chega a ser impossível acreditar que um percurso tão pequeno, embora íngreme, possa guardar tantas e tão grandes emoções.

Era só começar a pensar que já tinha superado todos os obstáculos possíveis e proporcionais a sua extensão que lá estava novamente diante de outro.

Apesar disso,eu não cheguei a saltar entre árvores, mas tive que exibir minha habilidade na utilização de cordas e até cipós para escalar alguns pequenos trechos. Eu me senti a própria Jane do Tarzan. E talvez foi isso que me ajudou.

Não posso omitir que também contei com um bom instrutor. Afinal, estava acompanhada de um experiente praticante de trekking, acostumado com montanhas francesas, italianas e até do Nepal, bem mais altas do que o ponto mais alto brasileiro, o Pico da Neblina.

O percurso da liberdade registrado nos clicks de um poeta fotógrafo

A todo momento, ele me surpreendia com sua destreza. Era capaz de atravessar a trilha na floresta, mesmo as partes críticas, com tal desenvoltura e leveza que, por vezes, me fazia acreditar que do solo decolou, bateu asas e me deixou. Mas era só terminar uma curva e lá estava ele a me esperar para me mostrar o que a sensibilidade de seu olhar de poeta fotógrafo era capaz de captar, além do que os meus olhos pudessem enxergar na beleza da fauna e da flora da Mata Atlântica. Com um clique aqui, outro, alí, ele eternizava cada momento da nossa caminhada.

Chegando ao topo  da montanha

Com efeito, depois de cerca de 2 horas que alcançamos o topo da montanha, algo indescritível e que faz o cansaço e os pequenos percalços ficarem para trás.

A bela vista panorâmica de 360º graus para o Pico das Agulhas Negras, o Vale do Paraíba e a Serra da Bocainas parece um mar de montanhas e faz acreditar ter encontrado o lugar onde mora a liberdade.

É de deixar o queixo cair e de fazer se sentir um pássaro, mesmo sem asas para voar.

Entre cães e cabras a aventura continua

E para minha surpresa, que imaginava encontrar somente aves no ponto mais alto da Pedra Selada, encontramos três cachorros nos esperando.Em princípio, o coração acelerou até certificar-me que eram dóceis e apenas faziam a recepção aos visitantes.

Imediatamente me veio a lembrança de uma caminhada na montanha Gros Cerveau, durante minha estada na França. Naquela ocasião, ao final de uma subida exaustiva, eu e minhas amigas de caminhada nos deparamos com um fato de cabras Rove.

Por alguns décimos de segundos, tive a sensação que o coração parou e as pernas desistiram de continuar na vertical. Perda de energia desnecessária. Assim como os cachorros, as cabras nos ignoraram solenemente e trataram de pegar rumo, nos deixando à vontade para apreciar a paisagem.

Definitivamente, tanto lá quanto naquele momento, era impossível imaginar fazer o caminho de volta correndo e ainda mais com três cães grudados no calcanhar.

Por outro lado, o que de fato correu foi o tempo e contra nossos desejos. Rapidamente, chegou o momento de pegar o caminho de volta com a trilha ainda bem iluminada.

Desta vez foi preciso vencer a tentação de aguardar o pôr do sol .

Antes de partir, cumprimos o ritual de registrar nossa aventura em um livro, que fica guardado dentro de uma caixa metálica, presa por correntes na pedra. Uma ideia simples, mas genial! Colocar o nome ou alguma mensagem nesse livro, pode ser simbólico, contudo representa o reconhecimento do esforço e da conquista individual.

Em tempos normais, imagino que o Pico da Pedra Selada seja um local de encontro de grupos de aventureiros, de todas as idades, que sabem tirar proveito dessa energia boa que vem da natureza.


O  caminho de volta

O retorno é mais rápido, apesar de não ser fácil. Todos os testes de esforço físico, mental e de habilidades se repetem, no sentido inverso, mas com a vantagem de saber que já conseguiu realizar. Em torno de 1h30 já estávamos novamente no ponto de partida e o pico, distante, parecia querer dizer: voltem sempre!


Não tenho dúvidas de que o convite será aceito.

E o motivo? Basta olhar as fotos que você vai entender e também querer conhecer.

Comments

    • Virginia Prado says:

      Eu tento adaptar os meus passos às surpresas da vida, sem perda de tempo, porque esse não para de correr. Super obrigada! Gostoso é ter esse feedback.

  1. Maria Lucia Azeredo says:

    Vi, imagino a aventura e a alegria de encontrar no pico esta maravilhosa visão! Como sempre , suas narrativas são envolventes!!! Parabéns! Continue nos brindando com estes presentes! Bj

    • Virginia Prado says:

      É muito mais do que a imaginação possa produzir e as palavras possam descrever. Só experimentando para ver. Obrigada!

    • Virginia Prado says:

      Super obrigada! Conto com a sua companhia de leitora para as próximas aventuras. O pico te aguarda. Depois me conte…

  2. Vanusa de Oliveira says:

    Maravilhoso… Virginia, precisa vir conhecer o outro lado da Mantiqueira, Itamonte MG!!! Abraço pra vcs e parabéns!!!

    • Virginia Prado says:

      Obrigada! Na verdade, um grande desejo de descobrir e experimentar o máximo que eu puder. Sim, todo o esforço vale a pena. A natureza é sábia e sabe recompensar.

  3. Maria Regina says:

    Virgininha,super parabéns por mais um desafio vencido. Mais parabéns pelo brilhante texto: acho q o ar rarefeito está aprimorando seu dom da escrita. Bjs!!!!

    • Virginia Prado says:

      Obrigada Maria Regina! Que maravilha contar com a sua companhia nas minhas aventuras do Correr para recomeçar

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