Floresta da Tijuca, liberdade em três tempos

 

O Parque da Floresta da Tijuca abriu para a prática esportiva e, depois de quatro longos meses, eu fui tentar despertar minha energia que, de tanta espera, decidiu hibernar em algum lugar desse tempo que, em tempo de confinamento, escancara a sua perecibilidade e se apresenta em desordem. Na natureza, fui encontrar com a minha liberdade. Fui novamente correr para recomeçar.

Dessa forma, dei partida e desde então,  já foram três fins de semana que, durante uma manhã, percorro a floresta e viajo internamente, reorganizando pensamentos, ativando projetos e sonhando com o estar por vir. Será?

Reaprendendo a respirar com máscara

Para alguém com rinite alérgica como eu adaptar-se a esse novo adereço chamado máscara triplica o desafio e faz necessário reaprender a respirar, abstrair-se da sensação de sufoco e focar em evoluir.

Mas ainda fica difícil me imaginar subir correndo de máscara, um percurso que em tempos passados, por si só, já era o meu grande pesadelo do treino com o grupo de corrida Expresso das Seis. Coração aperta só de lembrar. Seria tão bom poder fazer o tempo voltar, parar ou até acelerar, mas sempre sob o meu comando ficar.

Virginia Prado retomando atividades durante a pandemia.

 

Liberdade em primeiro passo

Na primeira vez que pisei novamente na velha conhecida Floresta da Tijuca, a sensação era de uma estreia de gala, um efeito colateral, não do medicamento, mas do próprio vírus corona, que faz valorizar detalhes do cotidiano que de uma hora para outra nos foram literalmente roubados. 

Nesse sentido, minha falta de preparo físico não teve alternativa e rapidamente percebeu que precisava entrar no ritmo do desejo de minha mente e corpo,  da mesma forma que a cada ligeira elevação da inclinação se sentiam fortalecidos.

Floresta da Tijuca
Na primeira vez que pisei novamente na velha conhecida Floresta da Tijuca, a sensação era de uma estreia de gala

 

Animais e silêncio por companhia

O silêncio da floresta, só era quebrado pelo canto de pássaros, barulho dos animais em movimento na mata, de ciclistas, ou de raros corredores ou caminhantes, e de minhas próprias pisadas em folhas secas.

Cada passo à frente, me reaproximava do meu eu corredora, mesmo que amadora.  De maneira idêntica, eu tentava me contaminar por essa sapiência da natureza que reconhece a necessidade de se desnudar para deixar o novo entrar.

Nesse diálogo mudo, nem vi o tempo e a quilometragem passarem. 

Apesar de minhas pernas terem sede de continuar a se exercitar,  era preciso não deixar a prudência escapar. Ou seja , era a voz interna a avisar para a impaciência pausar.

A engrenagem muito tempo parada enferruja e precisa retornar pouco a pouco o movimento,  de tal forma que deve esquentar sem risco de imprevistos para mais adiante ter que encarar.

Os cerca de três quilômetros de subida até a Vista Chinesa foram superados sem desgaste.

 

Os cerca de três quilômetros de subida até a Vista Chinesa foram superados sem desgaste. Talvez porque a mente se ocupou de me ocupar.

Há quanto tempo eu não tinha esse cenário ideal para me encontrar. Juntamente com uma parada para respirar o ar puro, registrar a paisagem, dar valor ao que temos e muitas vezes nem percebemos.

Os pontos interditados estavam sendo ignorados. Por que para alguns é tão difícil respeitar? Entender foge do bom senso e não vale a pena procurar.

Os pontos interditados estavam sendo ignorados. Por que para alguns é tão difícil respeitar?

 

Fim de linha consciente para a primeira subida depois de mais de 120 dias em pausa.

Era hora de pegar o caminho de volta e começar a descer, acompanhada de uma sensação de conquista de parte da liberdade perdida e inspiração adormecida. Nada mal para mais um recomeço.

Ao todo em torno de 24km, incluindo o ir e vir, caminhando de Laranjeiras até a entrada do parque da Floresta da Tijuca.

Liberdade em segundo passo

 

Esperar o fim de semana para retornar à floresta foi uma contagem regressiva parecida como a de uma criança aguardando seu aniversário ou Natal.

Infelizmente o valor do que temos muitas vezes é mais bem avaliado justo quando o perdemos. Assim sendo,  ter a oportunidade de recuperar é também poder fazer uma nova leitura ou ter um novo olhar do mesmo lugar.

Além disso, é entender que assim como cada passada em direção ao alto da montanha, sua vida também está em constante movimento. E por que não em subida crescente? Seja como for, o importante é não desistir. Cada curva do percurso vai ficando para trás, enquanto outra já está por vir.

Passado, presente e futuro se fundem ou se complementam.

Em direção à mesa do Imperador

Agora é a vez da forma física sedenta para avaliar sua capacidade de recuperação. E lá vamos nós. Partimos em direção à Mesa do Imperador em comum acordo e levando na bagagem, ou melhor, no rosto, a máscara.

A saudade de exercitar era tão grande que até o trecho de inclinação, no qual o joelho vem em direção ao peito, e que, apesar de curto, sempre foi motivo para blasfemar, passou despercebido pelas minhas pernas, pulmão e coração, só se mostrando presentes  pela respiração ofegante de um ciclista ,que pelo ziguezaguear da bicicleta, também deu partida ao seu processo de recomeço. 

Consequentemente, me fez saltar das profundezas da mente onde caminhava entre pensamentos.

 

 

trecho de inclinação, passou despercebido pelas minhas pernas, pulmão e coração, só se mostrando presente pela respiração ofegante de um ciclista que pelo ziguezaguear da bicicleta.

Perigo na Vista Chinesa

Mas foi quase chegando à Vista Chinesa, psicologicamente preparada para seguir em frente, que a intenção rolou a ribanceira.

Ao cruzar com duas jovens, fui alertada que elas haviam sido assaltadas, quando faziam a trilha entre a Vista e a Mesa.

Voltei à realidade da Cidade Maravilhosa e segurança zero. Imediatamente. boicotei meus planos e dei meia volta no trajeto.

O barulho da minha própria passada passou a me trair. O silêncio antes festejado, a dar um certo medo. Igualmente, o movimento dos animais na mata, levantava um estado de alerta. Ainda mais, cruzar com pessoas,  tornava um desesperado desejo.

Acelerei o passo e imprimi um misto de caminhada corrida. Que saudade de floresta em que o receio é estar cara a cara com um animal, mas não de duas patas e que se nomeia Homo sapiens.

A diferença entre os dois? Um mata por sobrevivência e o outro, por indecência.

Liberdade em terceiro passo

O terceiro fim de semana chegou. Parti para a Floresta  da Tijuca decidida a completar o circuito Mesa do Imperador. E completei!

Ainda assim, não posso afirmar que sem tensão. A floresta está fechada para carros e entre a Vista Chinesa e a Mesa do Imperador, cerca de 1km, não tem o mesmo movimento que na primeira etapa do percurso.

E o policiamento? Não encontrei.  Dessa maneira, era eu e a floresta quase todo o trajeto que o medo parece alongar. 

Eventualmente, alguns ciclistas cruzavam como um vento, outros como um piano sendo arrastado, dependendo do preparo de cada um.

Comum a todos, e nisso me incluo, apenas a certeza de querer correr para recomeçar.

Comments

    • Virginia Prado says:

      Ter a natureza para te acolher é sempre um privilégio. Pena que essa acolhe a todos, sem distinção entre o bem e o mal.

    • Virginia Prado says:

      Sim, tentando pouco a pouco. Na floresta, é possível o distanciamento.Mas subir até a Mesa do Imperador de máscara é realmente uma prova difícil. Mas a gente aprende.

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