Maratona X zona de conforto

A chave certa para abrir novos horizontes pode estar em um olhar diferenciado sobre uma situação ou em uma simples leitura. São pequenos detalhes que fazem perceber que momentos dependem de atitudes e que muitas vezes passam por abrir mão da zona de conforto, um local que nem sempre condiz com o nome, mas que tem o poder de nos envolver, deixar o tempo correr e nos fazer esquecer ou não conhecer o real sentido do prazer.

Esse percurso entre zona de conforto e atitude pode ter idas e voltas.  A largada necessariamente não acontece de primeira e recaídas são realidade.  Sair da zona de conforto nos treinos de corrida, na profissão, no relacionamento ou na vida requer, antes de tudo, decisão e essa pode não estar na mesma passada do desejo. Zona de conforto muitas vezes hospeda o vício e se fundem de tal maneira que nos confundem e fica difícil perceber qual é o quê. E, pior ainda, localizar a porta de saída.

Qualquer motivo é suficiente e o tempo parece perceber e resolver se perder. Nessa embarcação sem comando e rumo certo, alguns dias são suficientes para esquecer como é bom correr e, para alguns, até mesmo, trabalhar, amar ou viver. A zona de conforto não tem área determinada, mas, de repente, também pode ser questionada. E, a motivação para isso pode estar em qualquer lugar. Pode vir do mar ou de uma escrita.  O necessário é estar disposta a sair de dentro de você.

Em um dia de outono, mais parecendo pleno verão, uma pequena tartaruga, nadando bravamente contra a correnteza, fez de um momento difícil um espetáculo, lição e inspiração, que me fez recordar o que o maratonista queniano, Eliud Kipchoge,  afirma fazer em busca de suas vitórias e recordes.  Kipchoge revela que seu segredo é adotar a postura de seguir em frente, sem olhar pelo retrovisor e, pensando bem, é exatamente isso que o tempo faz. Na teoria, é fácil entender, mas, colocar em prática, nem sempre. Parece que a zona de conforto prende pelos pés ou, talvez, pela cabeça.  Eu só sei que pode até doer tentar se desvencilhar.   Comprovadamente é o pior lugar para se estar quando é preciso largar para mais um recomeçar.

Decidir mais uma vez recomeçar pela orla de Copacabana é ter sabor de dupla conquista para mim.  É voltar a correr e vencer uma lembrança que estacionou na memória decidida a ficar. Não chega a ser um trauma, muito menos de infância, mas já faz muitos anos. Aquelas coisas que mesmo procurando não encontra uma lógica para existir.

Decidir mais uma vez recomeçar pela orla de Copacabana é ter sabor de dupla conquista para mim

Foi a minha primeira maratona. Eu e minhas pernas não tínhamos muito ideia do que era exatamente correr 42.195 Km, principalmente em uma competição. Corria pelo prazer e entrei na prova levada pela curiosidade de jovem e de jornalista.

A maratona já dava largada em um horário que desafiava o meu relógio biológico de corredora, que acredito ter feito pacto com o amanhecer. Copacabana, nessa maratona, cedia os seus 4km em versão duplicada. Entrava-se pela primeira vez na orla  em direção ao final do Leblon, já com 26 km percorridos, na dita barreira do pesadelo ou barato dos 30 km. Mais ainda, Copacabana parecia querer testar se de fato eu era pretendente a maratonista. Corria lado a lado dos primeiros colocados, se não fosse um pequeno detalhe: em direções opostas.

Depois da prova de persistência até a virada estratégica no Leblon, Copacabana ressurgia nos 4km finais. O que são 4km para quem se dispôs a completar 42.192Km? De fato, nada.  Nesse momento de prova, a perna vai mesmo sem estar em sintonia com os braços e muito menos com a cabeça. A única coisa em comum é o querer cruzar a linha de chegada.

Depois da prova de persistência até a virada estratégica no Leblon, Copacabana ressurgia nos 4km finais

O sintoma da resistência deu seu primeiro sinal de vida exatamente na segunda versão posto Seis, final da orla de Copacabana. Naquele ponto, anoitecendo e o raciocínio lógico já apresentando falhas, a visão do então Hotel Meridien,  estrategicamente situado na esquina das avenidas Princesa Isabel e Atlântica, atropelou a quilometragem e,  rapidamente, enviou mensagem: É logo ali. O típico logo ali de mineiro, suficiente para detonar uma grande confusão mental.

visão do então Hotel Meridien,  estrategicamente situado na esquina das avenidas Princesa Isabel e Atlântica, atropelou a quilometragem e,  rapidamente, enviou mensagem: É logo ali.

Eu não sei se essa resistência é algo pessoal contra o charme da estética da Princesinha do Mar ou por estar sob pressão  de vencer o desafio de completar a maratona. Mas pode ser que Copacabana realmente provoque essa sensação e só corredor cansado perceba. Bem no meio do trajeto tem uma curva respeitável, que faz parte dos 4km, mas não do que o olhar capta ao entrar no posto Seis. A impressão é de que os 4km se alongam e isso pode causar um curto-circuito de grande proporção em final de uma prova de longa distância.

Fantástico nessa decisão de recomeçar em uma zona de desconforto foi perceber que a curva pareceu diminuir diante de uma mente em ebulição, com tantos assuntos querendo assumir a dianteira. A chegada, no final de Copacabana, significou quebrar parte da resistência. Foi a hora de enfrentar o retorno pelo mesmo trajeto, vencer a segunda etapa e mais uma vez a zona de conforto. Foi a hora de olhar para frente, me lembrar da tartaruga e do grande maratonista para cruzar a linha de chegada a qual me propus alcançar.

Confesso que ainda estou em constante trabalho para não me render aos encantos da zona de conforto, quebrar resistências, expor-me e dispor-me a  conhecer o percurso que está a me aguardar. Se vou gostar, não sei dizer. Com certeza as escolhas também vão estar lá e é apenas uma questão de optar.

Bem no meio do trajeto tem uma curva respeitável, que faz parte dos 4km, mas não do que o olhar capta ao entrar no posto Seis.

Ah! Eu esqueci de dizer que completei a tal maratona, a primeira de algumas outras. Isso, você só vai entender se também experimentar o desafio dos 42,195km.

Depois, volte aqui para me contar.

você só vai entender se também experimentar o desafio dos 42,195km.Depois, volte aqui para me contar.

Comments

  1. Maria Lucia Fonseca says:

    Fiquei aflita com a corrida. Não imagino o que seja correr mais de 42 quilômetros. Caminho todos os dias 5 Km em 50 minutos e já acho que faço muito ! Rssss Mas o mais importante do seu texto é dair da tal zona de conforto. Tem sido a minha luta! Continue nos presenteando com estes belos textos. Beijo

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