Maratona da mudança

Maratona da Mudança

Acabei de completar mais uma maratona quando o corpo nem havia descansado de uma ultramaratona. Quem nunca fez, de fato, não faz ideia do desgaste físico e mental exigido, além é claro da necessidade de uma estratégia do começo ao fim.

Maratona da Mudança
Só que eu não estou falando dos 42,195 km, mas de uma outra modalidade de maratona, a de uma mudança. No momento, mais especificamente, de moradia.

Na verdade, estou nesta itinerância há algum tempo, que já nem sei precisar quanto. O que essa teve de diferente foi pegar carona na de uma filha e, talvez, desprevenida, naquele exato momento que imaginava ter dado uma parada para recarregar, antes de um novo começar.

Quando decidi passar uma longa temporada na França, reduzi todos os pertences, acumulados em uma vida, a uma mala de 32kg e uma mochila de 11kg. Passei a carregar apenas o que realmente necessitava e toda vez que o ponteiro da balança sinalizava alguns quilos a mais na bagagem, o corpo respondia e a mente sabia que era hora da varredura do desapegar.

Maratona da Mudança
Reduzi todos os pertences, acumulados em uma vida, a uma mala de 32kg e uma mochila de 11kg. Passei a carregar apenas o que realmente necessitava

Diminui 10 quilos de bagagem ao longo do percurso e pela primeira vez na vida tive ciência de como somos acumuladores, até mesmo sem perceber. Acumulamos por acumular. Acumulamos lembranças e sentimentos em forma de objetos. Esse tal desapegar é um exercício puxado e difícil, mas que promove a sensação de leveza e de estar pronta para recomeçar.

O desfazer de objetos é algo complexo. De sentimentos nem tem palavra que possa com exatidão definir.  Mas em qualquer situação, à medida que o cansaço avança, o peso da importância diminui. O que no começo da maratona, o apego não permitiria imaginar deixar para trás, passa a ser descartado sem pensar. Muitas vezes faz até errar na dose e só é capaz de perceber quando não dá mais para retornar e recuperar.

Qualquer mudança é sempre complicada, quando assumimos o passo a passo da execução. No caso da mudança de moradia, eu estou me referindo ao todo e não apenas participar da incumbência de despachar e receber o que foi transportado ao passar a logística para uma firma especializada. Essa é uma maratona que quem já fez nunca esquece. É um exercício mental e físico puxado que inclui séries de levantamento de peso e agachamento.  Em muitos momentos, o corpo tem vontade de ficar pelo meio do caminho. Mas não se pode negar que é um aprendizado de vida. É uma oportunidade de limpeza externa e interna. Eu diria uma grande faxina emocional que em direção ao futuro oferece a oportunidade de percorrer um passado guardado e esquecido em algum lugar.

Eu sempre procurei encarar as mudanças, espontâneas ou impostas, simples ou radicais, como   sinônimos de movimento e de vida, mas confesso que ultimamente foram em ritmo tão acelerado que cheguei a pensar estar faltando perna e pulmão para completar o percurso.

Quando dei largada rumo à França e ao resgate de parte de mim que eu havia esquecido existir não imaginava o quão difícil seria completar esse trajeto.  Até agora, não faço a menor ideia da quilometragem que ainda falta percorrer para cruzar a linha de chegada. A única certeza que tenho é que já fiz mais do que uma maratona e, mesmo que as pernas fraquejem e a mente tente me derrubar, desistir não está nos meus planos. Eu vou prosseguir.

navegar em águas tranquilas.
quando a mudança resolve colocar em prática o seu lado traiçoeiro. Chega sem avisar e testa sua resistência diante de um mar revolto, quando desejava apenas navegar em águas tranquilas.

A verdade é que as mudanças sempre fizeram parte da minha vida, mesmo em situações ou momentos em que eu desejava permanecer onde e como estava e apenas deixar o tempo se encarregar de correr. Mas pouco se pode prever ou mesmo fazer, quando a mudança resolve colocar em prática o seu lado traiçoeiro. Chega sem avisar e testa sua resistência diante de um mar revolto, quando desejava apenas navegar em águas tranquilas.  Uma verdadeira prova física e mental, muitas vezes com pontaria certeira no emocional. É uma questão de preparo.

Qualquer mudança, desde um simples corte de cabelo, por menor que seja, mexe com a gente. Muitas vezes como um sopro que nem dá para perceber.  Outras, como uma ventania. Mas algumas, como um vendaval que parece não deixar pedra sobre pedra. E quando a rajada não dá refresco e acontece de forma sequencial, perde-se a noção do tempo, ou melhor, do vento. Perde-se até o destino final.

Mas seja qual for a intensidade do vento, toda mudança, sem exceção, sempre deixa uma grande lição. Se nunca havia parado para pensar sobre a complexidade de mudar, a partir de agora, posso quase afirmar que isso vai mudar.

Comments

    • Virginia Prado says:

      Para uma alma sagitariana, eu acho que a palavra certa não seria sossegar. O tempo corre e, enquanto tiver pernas, vou tentar não perder esse tempo para conhecer e aprender o máximo que puder. Mas quero muito encontrar um porto seguro, em todos os sentidos, em alguma parte desse percurso vida.

  1. M Lucia A Fonseca says:

    Vi, a vida quer da gente é coragem, como dizia Guimarães Rosa. Você é corajosa e logo chegará onde quer. Bj

    • Virginia Prado says:

      Obrigada!Na verdade, damos largada na maratona vida sem consulta prévia. A alternativa que temos é aproveitar ao máximo tudo que o percurso tem para oferecer. Em muitos momentos, penso que é preciso mais do que coragem. É preciso persistência e acreditar.

  2. Verena says:

    Oi Virgínia, Sei como é mudar de casa, de cidade, de país e até de continente. Já passei por tudo isso e sei como é difícil em todos os aspectos. Hj em dia às vezes ainda tenho vontade de mudar , mas sair da zona de conforto nessa altura do campeonato , fica difícil !!!!!!!

    • Virginia Prado says:

      Só experimentando para saber. Erros e acertos fazem parte. Muitas vezes é essa zona de conforto que nos faz deixar de aproveitar belos percursos. A vida passa em um piscar.

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