Ressaca pós-Carnaval

máscara carnavalesca sobre confete

Os primeiros sinais começam na manhã da terça-feira, mas só vou me dar conta de fato na quarta-feira, a de cinzas. Este ano eu não curti o Carnaval. Eu não vi o Carnaval. Mas a melancolia chegou.  Já perdi a conta de quantos anos esse sentimento se repete. Uma visita de passagem rápida com dia e hora marcada.

Uma melancolia profunda que há anos busco explicação e só consigo encontrar alguma razão na hereditariedade. Cresci escutando meu pai falar desse sentimento sem noção. Mesmo já idoso e distante da realidade de um folião, anualmente, ele me dizia receber a visita dessa tal melancolia. Eu explodia em gargalhada, sem perceber que também estava contaminada.

É a ressaca pós-Carnaval. Diferente da do álcool ou do excesso de gasto de energia, não é visível ao olhar alheio.  É resultado de uma ressaca de sentimento que, hoje, nem sei se existe com tamanha intensidade, mas é certo que algum dia esteve presente e deixou muita saudade.

máscara sobre confete
Em flash vem os carnavais da adolescência.
Foto: Freepik

Eu não curti o Carnaval. Eu não vi o Carnaval. Mas a melancolia, não perdoou e, como sempre, chegou.  Desta vez, na bagagem, trouxe um convite para uma rápida corrida no percurso das recordações carnavalescas. Em flash vem o Carnaval da adolescência  e as lembranças dos bailes.  Esse era o momento do ano que todas as primas tinham encontro marcado em Juiz de Fora.  Se contarmos as horas, ficávamos mais tempo nos aprontando do que propriamente na festa. Acho que isso era a maior diversão, o que a parte masculina da casa jamais entendeu. Dentro do pacote lembrança vem o “Ai, ai, ai, ai. Está chegando a hora…”  marchinha de final de baile de todos os dias, mas que na terça-feira parecia criar resistência para em alto tom dominar o salão. Esse refrão era o código para que nos mantivéssemos distantes dos meus tios e pudéssemos permanecer até o último segundo da festa. Sempre tinha uma que se perdia na multidão e era difícil ser localizada. De fato, nunca vou saber se meus tios conheciam a estratégia e embarcavam na nossa brincadeira. Afina, era Carnaval.

Mais adiante o Carnaval ganhou status de trabalho. Na profissão de jornalista, eu passava os quatro dias, não mais apenas curtindo, mas cobrindo a festa. Uma cobertura que poderia ser nas areias de Copacabana, no Sambódromo ou na porta de um hospital. Era uma questão de sorte ou azar.  A grande batalha carnavalesca era conseguir conciliar folga com algum bloco de rua para deixar o lado folião se extravasar.  O cansaço ficava guardado em algum lugar até esperar o Carnaval passar. Esses eram verdadeiros blocos que deixaram muita saudade e história para contar.

Mas Carnaval que é Carnaval tem sempre no pacote algum amor para lembrar. Amores que chegam, mas não vieram para ficar. Amores de um ou muitos carnavais para recordar. Amores que entram com todo gás e perdem o ritmo da passada. Amores que não veem a banda passar.  Podem ser diferentes na essência, mas com a mesma assinatura: são amores de Carnaval.

Confete e serpentina no chão
Melancolia pós-carnavalesca
foto: Freepik

Eu não curti o Carnaval. Eu não vi o Carnaval, mas esqueci de avisar para a melancolia não me visitar.  Uma tristeza que não precisa de endereço certo para desembarcar. Longe ou perto, bate ponto. Isso é certo. Na temporada morando na França, pensei que iria passar despercebida. Mas na terça-feira, lá estava marcando presença, mesmo distante do epicentro da grande festa brasileira, mesmo sem ter clima para me atormentar.

Este ano pensei que seria diferente. Já ciente e na cidade que entrega a chave ao Rei Momo e deixa a alegria transbordar, esperei o Carnaval chegar. No Rio de Janeiro, permaneci, mas o Carnaval, eu não vi. Talvez porque os quatro dias se multiplicaram e fui adiando, fui deixando passar até de todo acabar. Perdi a banda, o bloco e o possível amor chegar. Só mesmo a melancolia para me fazer lembrar. Talvez, perdi porque inconscientemente ainda tenha saudade de um Carnaval com espera longa, mas tempo suficiente para deixar o gostinho de quero mais perdurar até o próximo Carnaval chegar. Tem um prazer diferente. Pode apostar!

Comments

    • Virginia Prado says:

      A melancolia encerra as atividades carnavalescas. Faz parte do ritual. Já chegou e partiu. Carnaval tem que ser por pouco tempo para deixar gostinho de quero mais.

  1. Syvia says:

    Adorei seu texto Vi!!! Sinto muita falta dos carnavais com os primos e isso tb me deixa quase melancólica eu diria de saudades. Bjs e precisamos encontrar 😘

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