300 dias de França para recomeçar

De volta ao Brasil, aterrissei no Rio de Janeiro. Desde então, procuro, no percurso de corrida, o meu trajeto de vida. Eu novamente em mais um recomeçar na corrida do tempo que, implacável, bate na porta só para lembrar o tamanho e o peso da bagagem a carregar. O importante é saber separar o que vale a pena guardar.

Chego dividida entre o prazer de aqui estar e o querer ainda completar o percurso francês. É necessário não deixar o desânimo se criar em cima da linha de chegada que ficou por desejar cruzar. Talvez o espírito de corredora me venha em pensamento perturbar. Quem corre sabe o que é completar uma prova e quanto mais quilometragem, mais prazer dá. 

Mas estratégia não pode faltar. Recuar também faz parte do percurso e um passo atrás pode ser, além da opção do momento, a oportunidade de corrigir o ritmo para em uma próxima vez saber quando, como e onde avançar.

Ao retornar ao ponto de partida, é necessário acreditar que não foi tudo em vão. Nos 300 dias de França conheci lugares, culturas, idiomas, amigos, mas principalmente um pouco mais de mim, que a falta de tempo me impedia de lembrar que existia.

Também é necessário não se confundir e, de fato, zerar. Dar largada no ritmo que ficou em algum lugar do passado não é impossível, mas o caminho a percorrer jamais será o mesmo. O lugar comum não é garantia de continuidade do que ficou para trás.    Mas é certo que a performance está armazenada e aos poucos vai se mostrar.  É só ter persistência e esperar.

De volta ao Brasil, encontrei um país diferente do que deixei ou, talvez, do que a distância fazia sonhar existir. Procurei aquela brisa de alegria, conhecida mundo afora, e encontrei um vento forte de rancor. Busquei o conhecido calor humano brasileiro e encontrei um Brasil divido em chamas.

Pela ciclovia da Lagoa Rodrigo de Freitas, procuro acertar as passadas e me encontrar, mas me perco no olhar, deixando a paisagem se incumbir de acalmar o que dentro ainda está a me angustiar.

Na bagagem, por desfazer, tento encontrar aqueles que comigo embarcaram e permaneceram até o fim dessa viagem.  Eu me recarrego no aconchego da família e amigos, matando o tempo perdido que, durante quase dois anos, se travestiu de saudade. Isso não tenho dúvida ser o combustível para recomeçar.

Ainda navegando em pensamentos, busco inspiração e a resposta vem em forma de canção: “tudo que se vê não é igual ao que a gente viu a um segundo“. Ao som de Lulu Santos, mais do que me transportar aos anos 80, me convenço que de fato a vida é um eterno começar. Então, por que hesitar ao invés de se deixar levar para saber onde é capaz de chegar?

Em um primeiro momento o prefixo “re” pode assustar ou até dar a impressão de querer caminhar no sentido contrário. Pesa no corpo e na mente. As pernas parecem resistir em acompanhar. Pode ser necessário largar várias vezes. O que importa é ter certeza que já aprendeu a lidar com o recomeçar.

Nesse ir e vir, continuamos a Correr para Recomeçar e espero contar  com a companhia de todos na nova fase de aventuras e descobertas nessa viagem que acabo de decolar.

 

Comments

  1. MARIA LUCIA AZEREDO MURTA DA FONSECA says:

    Recomeçar é viver! Aqui ou em qualquer lugar vc estará sempre pronta pra revoar!!! Continue nos brindando com essas excelentes reflexões. Adorei te ver!!! Beijo grande

  2. Helena says:

    Que texto incrível Virgínia! Obrigada por compartilhar suas experiências. Quando estamos longe a saudade floresce um pouco mais o país, entendo perfeitamente a dificuldade em voltar, mas sei também o quão bom é estar aí e reviver em casa! A contradição existe a partir do momento da compra do bilhete aéreo, é uma mistura de saudades de lá e de ca… e como dizia Chico “Mesmo com toda a fama, com toda a brahma
    Com toda a cama, com toda a lama
    A gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando…”
    Beijo grande pra você!

    • Virginia Prado says:

      Obrigada, Helena!Fico feliz de saber que conto com sua leitura e companhia nos meus percursos. Sim, a saudade ainda é algo difícil de lidar e até de explicar. Vem do fundo de algum lugar e não avisa a hora que vai chegar. Às vezes bate leve, outras, como um furacão e, querendo ou não, temos que aprender a conviver. Sempre que fazemos uma opção por algo, certamente, estamos perdendo outro.E, assim, vamos procurando um equilíbrio para começar de novo. E vamos levando e correndo… o percurso é longo.

  3. Verena says:

    Todos os momentos são únicos na vida. Por isso temos que viver o presente da melhor maneira possível. Conheço esse choque cultural quando voltamos da Europa, mas é uma questão de tempo, também essa sensação de querer reviver o que já passou. Mas te asseguro que isso também vai passar!!!

    • Virginia Prado says:

      Claro, Verena! E justamente por isso temos que ter um olhar mais cuidadoso para o presente e desfrutar cada momento.

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