Château de Pourtalès e Forêt de la Robertsau, um percurso dois em um perfeito para se encontrar

Chateau Pourtalès 2

Foi na corrida sem rumo, no momento que parecia faltar chão, que deixei a curiosidade me conduzir. Comecei a seguir as placas nas cliclovias e fui parar na Forêt de la Robertsau, cerca de 5 km da Cathédrale Notre-Dame de Strasbourg.  Um trajeto que quase me passa despercebido, apesar de estar sempre procurando tudo que minhas passadas possam explorar durante a temporada na região da Alsace. Um lugar perfeito para correr, caminhar, pedalar, piquenicar e deixar o pensamento vagar.

Trilha da Forêt de la Robertsau.
Trilha da Forêt de la Robertsau.

Ao lado da floresta, o Château de Pourtalès, situado dentro de um parque com o mesmo nome. Atualmente é um hotel.  Eu não entrei, mas me imaginei acordar naquele lugar.   Um percurso que, além de correr, possibilita o contato com natureza, arte e também viajar pela história de um castelo do século XVIII e que no passado, tendo como anfitriã a condessa Melanie de Bussiere, recebeu a aristocracia européia. Muitas celebridades como rei Ludwig da Baviera, Príncipe Napoleão, Imperador Wilhelm, Franz Liszt e Albert Schweitzer passaram por alí. Imediatamente me transporto para a época e me imagino fazendo parte daquele momento. A criatividade se liberta e me leva longe no tempo.

Assim que comecei a percorrer o local, confesso que os pensamentos bem depressa me ocuparam e cheguei a me assustar quando deparei uma silhueta enorme agachada entre árvores. Voltei ao tempo real, sem tempo de identificar qual sensação que havia me causado. A enorme escultura logo se mostrou e os meus olhos encantou. Parecia também estar a procurar que direção seguir. A partir daquele momento, passei a correr e buscar a arte que se apresentava onde eu menos esperava. Só os meus passos eu ouvia. Naquele local, o silêncio era total, mas qualquer ruído na mata, ouvidos atentos escutavam. Não os meus, mas os das árvores. Arte e natureza em total simbiose que, por alguns momentos, roubaram o meu olhar e o meu pensamento. Um enxerto perfeito para conduzir à reflexão.

Genius Loci de Giulio Paolini
Genius Loci de Giulio Paolini

Foi preciso os pés para me puxar e mostrar que era apenas o começo do que o lugar tinha para mostrar.   Segui em frente e sem perceber já estava na floresta. A cada passo que avançava na mata, encontrava menos pessoas pelo caminho. Dessa vez, foram os meus ouvidos que entraram em estado de alerta para qualquer ruído detectar, até mesmo um simples estalar de folhas seca. O medo percebeu que havia espaço para se juntar e me acompanhar. Fingia não me importar. Mas o pensamento insistia em me assombrar. Se algo acontecer, quanto tempo passará para alguém notar? É impossível não pensar quando está só em algum lugar.  Olhei, avistei e me aproximei de uma corredora.  Ela seguiu e eu atrás. Mas por um segundo parei para registrar a paisagem e ela desapareceu em alguma curva.

Parte do percurso Forêt de la Robertsau à Wantzenau
Parte do percurso Forêt de la Robertsau à Wantzenau

O jeito foi seguir em frente. Motivo não tinha para me preocupar. Eu sabia que, apesar de ser uma floresta, é localizada em zona urbana e sempre com grande fluxo de visitantes. Além disso, o trajeto não era grande. Mas o que é desconhecido parece aumentar o tamanho e transformar segundos em horas. Pensamentos mil começam a brotar. Não sei o que acontece. Estar dentro da mata e só me causa sensações contraditórias que entram em disputa durante todo o percurso. Não sei se despertam o grilo falante para me fazer mergulhar e defrontar com quem realmente sou no fundo do meu interior. Correr na floresta é sempre mais um passo que avanço nas trilhas mais profundas e intensas da minha trajetória de corrida e de vida.

Depois da curva, uma reta e a chegada em um trecho com movimento.  Escolher para a esquerda significava continuar a me aventurar. Por aquele dia o coração já pedia basta de acelerar. Se a dúvida ainda existia, foi solidificada ao desviar o olhar e deparar com uma placa que auxiliava identificar as pegadas de diferentes habitantes do lugar. Entre esses, quais? Claro, os javalis (sanglier). Não foi na França que passei a conhecê-los, mas aqui é que tenho convivido com a hipótese de um dia cruzar com a espécie pelos percursos de corrida. Gostaria muito de ter a tranquilidade e certeza dos franceses ao dividir espaço com esses animais. Na verdade, acredito ser um conjunto de medos que guardo sob a capa desse porco selvagem.   Mas, se naquele momento faltavam pernas para continuar a correr, solicitei hora extra.

Área dos sangliers no parque
Área dos sangliers no parque

 

Em algumas poucas passadas estava novamente cruzando com pessoas e podendo aproveitar a beleza do lugar. No entanto, não posso deixar de ressaltar o quanto me senti ridícula ao ver famílias circulando com crianças sem qualquer preocupação. Um medo sem fundamento que me acompanha nas trilhas das florestas e que me faz sempre procurar saber um pouco mais sobre esses animais, que na verdade nunca vi face à face.   Muitas pesquisas já fiz. Hoje, penso que sou capaz de reconhecer suas pegadas e possíveis rastros na mata.  Na cabeça, tenho um manual de como proceder caso esteja em frente a um desses, mas, zero certeza se vou saber como fazer se um dia de fato acontecer. Prefiro me precaver. Eu sei que as pessoas se baseiam no previsível hábito do animal de começar o seu dia somente no pôr do sol. Mas, o medo invade meu pensamento com um simples argumento que pode até pecar pela ignorância: vai que tem javali com problema de fuso horário. Prefiro não me certificar de que acontecem imprevistos.   Eu só sei que voltei para casa com raiva daquele sentimento.

No dia seguinte resolvi retornar e mais um trecho da floresta explorar.  A cada etapa que venço, eu sei que me fortaleço para encarar o que a vida pode me apresentar. Uma espécie de terapia. Maluca, pode ser, mas comigo é assim que funciona. A corrida é meu terapeuta e os diferentes caminhos, que a floresta me oferece, o meu divã. Dessa vez já parti em direção à mata.  Mas o medo voltou para assumir o seu lugar no trecho que cruzar com pessoas começou a espaçar.  Qualquer barulho já me fazia imaginar dar de cara com um javali. Decidi perguntar ao primeiro caminhante que encontrei. Um senhor gentil e educado que, quando conseguiu compreender o real sentido da minha preocupação, explodiu uma gargalhada antes de com uma curta frase tentar me tranquilizar.

  • Ils dorment! Ele repetiu duas vezes e depois acelerou o passo no sentido contrário.
aviso sobre os habitantes da floresta
aviso sobre os habitantes da floresta

Novamente cheguei no ponto que da última vez decidi retornar.  A minha intenção era conhecer a cascata. Da corrida, sem perceber, passei a caminhar, mas indo e voltando, conforme movimento e direção de ciclistas, sem de fato sair do mesmo lugar. Quando passavam, eu me empolgava e prosseguia. Quando desapareciam, eu retornava ao ponto de partida e lembrava que o mesmo trajeto teria que refazer. Os cerca de 9 km para atravessar a floresta até Wantzenau, eu acredito que fiz nesse vai e vem sem alcançar o final.   A cascata, fiquei no quase cheguei.  Quem sabe um bom motivo para retornar à Forêt de la Robertsau antes de me despedir da região. De preferência que da próxima vez esteja acompanhada porque quero chegar do lado de lá e conhecer finalmente todo esse belo lugar.

Comments

    • Virginia Prado says:

      Depois que saio da zona de conflito interna também morro de rir. Mas na hora é uma carga extra de adrenalina. Teoricamente também penso assim. O difícil é colocar a teoria em prática in loco e só.

  1. marisa says:

    floresta da medo mesmo. tem sempre a possibilidade do lobo e a gente nao sabe se o cacador vai estar a postos… da medo. voce e muito corajosa…

    • Virginia Prado says:

      Pois é…pode ser resquício de uma história infantil, mas acho mesmo que é o somatório de medos vestido de Chapeuzinho Vermelho. Estou querendo chegar lá.

  2. Gisele says:

    Adorei o seu texto! Muito suspense, castelo, parecendo um livro da Ann Radcliffe, seculo dezoito. Tudo isso, misturado com o seu percurso de corrida. Amei!!! Muito bom!

    • Virginia Prado says:

      Obrigada! Ao vivo o suspense é ainda maior. Vale muito a pena incluir Strasbourg na programação França e poder desfrutar a beleza desse lugar. Para correr, nota mil.

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