Alsace na companhia de uma jack russel

Jackie Russel

A simpatia entre eu e Nola foi à primeira vista. No primeiro dia que pisei na casa, que seria meu lar nos próximos três meses, parece que imaginávamos que o destino iria nos unir e teríamos a oportunidade de desbravar o que a Alsace estava à espera para nos mostrar. Aceitamos o convite e durante 10 dias saíamos sem destino. A proposta era sempre largar de Illkirch-Graffenstaden, deixando as diferentes ciclovias e trilhas nos levar a descobrir lugares e cidades até onde nossa disposição e tempo pudessem alcançar.

Nola e eu
Nola e eu

Por ser da família terrier, seu comportamento me lembrava o do meu inesquecível Thor Francisco, um fox terrier que me acompanhou nos percursos de corridas e vida durante 17 anos. Nola de cara amenizou a ansiedade da expectativa do que me aguardava nessa nova fase e  foi como um cartão de visita que me aproximou da família. Pela primeira vez, eu experimentava morar na casa de desconhecidos que falavam uma outra língua.

Quando sua dona viajou, a pequena cadela rapidamente se adaptou ao que seria nossa rotina de caminhadas e juntas compartilhávamos o prazer de estar em contato com a natureza.

Durante o meu percurso na França, tive outros cachorros, de alguma forma, como companhia. Em Sanary-sur-Mer, no trajeto de todo dia, um cãozinho a me dar bom dia. Teve um outro que cruzei em um percurso e decidiu me acompanhar. Esses quatro patas parecem sempre adivinhar e querer ocupar o vazio que os humanos muitas vezes não se importam de deixar. Com Nola não foi diferente. Mesmo eu querendo evitar que o meu coração pudesse conquistar, mesmo sabendo que um dia iria embora, a cachorrinha não bateu na porta e nem sequer pediu licença para ocupar seu lugar.

Sem trocar uma palavra, já acordávamos em sintonia e com a mesma felicidade ao ganhar a rua. Difícil era ela entender que, quando queria avançar, eu precisava parar para registrar os lugares. Nossa média de caminhadas era de 10 a 15km. Errar caminho fazia parte. Conhecemos pessoas e cruzamos com diferentes animais, inclusive em locais que não poderíamos imaginar, como o ninho de cisne que nos surpreendeu ao lado da rua na cidade vizinha Ostwald.

Percurso Illkirch-Graffenstaden ninho de cisnes
Percurso Illkirch-Graffenstaden ninho de cisnes

Foi também em Ostwald que descobrimos trechos na margem do rio que davam vontade de parar e ficar, além do percurso da saúde na floresta Nachtweid. Apesar de ter apenas 2,8 Km, oferece diferentes opções de trilhas e muita sombra para refrescar. Sempre que passávamos em frente, parecia que éramos atraídas e, no mesmo compasso, desviávamos do nosso itinerário. Lá, muitas vezes esquecíamos das horas e um novo trajeto ficava para outro dia. Nola, não sei se por curiosidade da pouca idade ou herança de raça de caçadores, mostrava prazer ao entrar em florestas e tudo escarafunchar.

Mas o trajeto do canal du Rhône au Rhin no sentido contrário à Strasbourg tem uma paisagem que parece ter sido feita por encomenda para encantar os olhos e impulsionar a prosseguir. Nas trilhas margeando o rio e na ciclovia, você cruza com pessoas correndo ou caminhando, treinando ou passeando, sozinhas ou em grupo, crianças e adultos. Eu e Nola simplesmente seguíamos sem nos dar conta de que a mesma quilometragem de ida teríamos de volta. Assim conhecemos a pequena cidade de Eschau, distante  em torno de 5.0 Km de Illkirch. Saindo de Strasbourg fica cerca de 12km. Mas a ciclovia do canal de Strasbourg até Friesenheim tem aproximadamente 30km, em um cenário feito por encomenda e um roteiro que permite conhecer mais cinco cidades ao longo do trajeto. Um percurso que pode também ser um treino e feito por etapa, cada dia aumentando um pouco mais a distância e conhecendo mais uma cidade. Eu ainda não encarei esse desafio.

Nola companheira de caminhadas
Nola companheira de caminhadas

O que o rio nos proporcionava de belo no entorno de Illkirch era nossa meta. Entrei confiante em trilhas nas florestas. Apesar de ser ainda muito nova, o faro de caçador de Nola funcionava como combustível para afastar o medo e indecisão. Não dava tempo de pensar. Ela simplesmente me puxava, parecendo querer me dizer: vamos, eu estou aqui com você. Mas confesso que muitas vezes, quando no meio das florestas, me confundia com as inúmeras trilhas, sem cruzar com uma alma viva, a imagem de um encontro surpresa com um javali (sanglier ) tomava conta do meu pensamento. Seria difícil conter a ingênua cachorrinha. As lembranças das placas na aventura solo em Saint-Mandrier vinham como um filme. Enquanto eu fazia um verdadeiro treino de controle das emoções, Nola só aproveitava os passeios o melhor que podia. Essa pequena da raça canina, sem perceber, me ensinava como podemos levar uma vida mais leve se nos ocuparmos de simplesmente viver intensamente o presente. O melhor era não pensar e aproveitar.

Algumas vezes sentávamos para beber água e parecia que os sentidos ficavam mais aguçados sem o barulho dos passos. Nola, levantava as orelhinhas em sinal de alerta e olhava de um lado para o outro e eu aprendia a administrar a expectativa sobre o que virá. A cada momento, uma nova lição. A cada final de percurso, a sensação de mais uma conquista. Um troféu da dupla e um estímulo para no dia seguinte buscar uma nova aventura.

Nola a jackie russel que me acompanhou nas aventuras pela Alsace.
Nola a jackie russel que me acompanhou nas aventuras pela Alsace.

Ao chegar em casa, Nola literalmente desmontava, mas a recuperação era rápida. Assim que percebia que eu estava no computador, vinha se aconchegar ao meu lado e parecia querer a quatro mãos contar a nossa história no blog.

Nola depois do passeio
Nola depois do passeio

Os 10 dias voaram e não deu tempo para explorar todos os locais que gostaríamos. Por alguns dias, manteve o hábito de na porta estar quando eu acordava, até a sua guia me conduzir e com o olhar perguntar.

– Onde vamos passear?

Os três meses também acabaram e chegou a hora de continuar meu percurso e Nola ficar. Nos despedimos com mais uma saída. Eu pensei em correr, mas ela queria caminhar. Eu queria pegar o Rhône au Rhin em direção à Strasbourg e ela no sentido contrário. Resolvi não fazer resistência à intuição canina. Deixei Nola me conduzir. Queria algo mais me mostrar até na hora de partir. O programado nem sempre acontece, mas nem por isso o que vem pela frente necessariamente não vai agradar.

Nola sabe mais do que eu. Ela sabe principalmente que não há tempo ou distância que apague bons amigos e boas lembranças.

 

 

Comments

  1. marisa silviano do prado says:

    nooossaaa esses dias foram bem legais. ate ninho de cisne! nao e pra qualquer um … voce eh muito sortuda e corajosa de viver todas essas aventuras. e doida de ir pro meio da floresta.

    • Virginia Prado says:

      Sim. Tive o privilégio de conhecer esse lindo lugar e tendo como companheira de aventura a incrível Nola.

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