Bélgica : o percurso da lição dos diables rouges

Apesar de saber que é o momento de seguir no percurso que nos espera adiante, resolvo dar uma pausa para dividir a experiência de uma torcida solo em reduto de adversários em campo. Ironia do destino, foram os diables rouges que me mostraram que já havíamos perdido essa Copa, antes mesmo de começar. No meio de maioria belga, mas também franceses, marroquinos e outras nacionalidades, acompanhei o passo a passo da eliminação da seleção brasileira com a tristeza característica de uma despedida. Escutei com pesar, mas sem ter como contra-argumentar, um marroquino afirmar que o Brasil trocou o futebol arte pela arte da encenação. E foi no meio dessa torcida que encontrei a empolgação que, desde o início da Copa 2018, procurei nos canarinhos, não belgas, mas brasileiros.

Brasil X Bélgica momentos
Brasil X Bélgica momentos

A descrença, talvez fruto de um conturbado momento econômico, social e político no Brasil, ofuscou a nossa alegria e prazer de vibrar. Atravessou oceanos e contagiou até quem longe está. Foi difícil conseguir cruzar com brasileiros exibindo as cores da seleção e um brilho no olhar pelas ruas, bares e restaurantes de Strasbourg. O nosso orgulho e otimismo verde e amarelo parece que decidiu nessa copa protestar e em casa ficar. Sem o empurrão da torcida e a garra de mostrar o futebol que realmente sabe jogar, estivemos presentes, mas sem marcar presença.

A esperança tentou emplacar. A cada jogo uma vitória e parecia que caminhávamos para acreditar que tudo pode mudar, que a bola rola de um lado para o outro, que maioria das vezes parece estar sob o domínio do adversário, mas de repente o impossível pode em possível o jogo virar. Decidi me render à internet e em um grupo me basear para na partida contra a Bélgica poder extravasar a comemoração contida de todas as vitórias que já estava a transbordar. Parti sem conhecer o ponto de encontro e os brasileiros que iria procurar. Eu só tinha certeza que só não queria festejar. Brasil x Bélgica seria um bom motivo para junto de brasileiros amenizar a saudade que vem no pacote da distância.

Eu não contava com o google a me confundir e sinceramente não sei se para me atrapalhar ou poupar de mais triste ficar com o resultado de 2 a 0 no placar. Passei o primeiro tempo zanzando pelas ruas até encontrar o local combinado. A fila na porta de entrada e nenhum verde e amarelo me fez perceber que na calçada não era o meu lugar até o jogo acabar.

La Manufakture - Strasbourg
La Manufakture – Strasbourg
Restaurante cozinha brasileira em Strasbourg
Restaurante cozinha brasileira em Strasbourg

Continuei a peregrinar e dei de cara com um restaurante brasileiro, mas sem TV e também sem brasileiros. Na verdade, o ritmo da cidade não parecia ter pego embalo na vitória francesa que acabava de acontecer. Onde estavam os apitos e buzinas? E as comemorações de um país que se qualificou para a semifinal?

Restaurante em Strasboug
Restaurante em Strasboug

Costumes muitas vezes atropelam o nosso desejar. Bares e restaurantes cheios, alguns com TV ligada e transmitindo o jogo, mas poucos ligados na bola em campo que decidia o país que no próximo jogo iriam encarar. Pareciam não se importar e com paciência o resultado final aguardar.

Noite de sexta-feira e jogo do Brasil em Strasbourg
Noite de sexta-feira e jogo do Brasil em Strasbourg

Em Strasbourg, a impressão que tenho é que os torcedores franceses parecem ainda incrédulos com o desempenho que a equipe está a mostrar. No momento, moderam na exposição e comemoração. Quem sabe solidários à vizinha Alemanha? Tudo mera especulação. De fato, não sei e aguardo ansiosa para registrar quando vão extravasar a empolgação de um time que tem avançado em direção ao título de campeão. Tudo mera suposição.

Para não me perder em divagações e também o segundo tempo do jogo, fui direto para o pub irlandês que na última partida encontrei duas famílias de brasileiros: uma de passagem pela cidade e outra franco-brasileira que trocou o Rio de Janeiro por Strasbourg, mas que o coração continua a bater verde e amarelo.

Família franco-brasileira no jogo Brasil x México
Família franco-brasileira no jogo Brasil x México
Família brasileira torcendo no jogo Brasil x México- Strasbourg
Família brasileira torcendo no jogo Brasil x México- Strasbourg

Lá encontrei o clima de comemoração e me misturei entre os amarelos, pretos e vermelhos, sem verde. No começo discretamente sem mostrar minha bandeira. Mas a cada possibilidade de gol perdida foi difícil não revelar minha identidade brasileira. Comemorei muito quando a bola no fundo da rede entrou até perceber que todos ao meu redor silenciaram e parados ficaram a me observar. A primeira reação foi ficar encabulada. Procurei e avistei uma jovem com as cores do Brasil. Por um momento achei que poderia dividir a emoção. Era francesa. Resolvi com um sorriso os olhares encarar e um acordo de paz selar. A partir daquele momento quando alguém comemorava eufórico a bola fora do Brasil, logo em seguida me dirigia o olhar e até se desculpava.

Pub irlandes em Strasbourg
Pub irlandes em Strasbourg

O jogo continuou e o gol parecia a toda hora se mexer só para o coração acelerar. A cada caída do Neymar, em uma enorme mesa um pouco mais à frente, diables rouges não perdiam a oportunidade de entusiasmados cantar: “Tchau Neymar!”. Marroquinos insistiam em questionar onde os jogadores esqueceram a técnica e o show de bola, que deu nome e respeito ao time brasileiro no mundo inteiro. Assim os minutos correram. Ora me sentindo na berlinda, ora um muro de lamentações e por fim, a viúva verde e amarela que, no meio do êxtase da torcida belga, recebia condolências pelo precoce retorno da equipe ao lar.

Belgas comemorando cada minuto em direção à vitória
Belgas comemorando cada minuto em direção à vitória

Mas a tristeza que queria tomar conta foi obrigada a se render a uma particular alegria. Eu finalmente havia encontrado a vibração da Copa que desde o início tanto busquei. Só lamentei não ser na torcida que tanto procurei. A derrota do Brasil pegou todos de surpresa.

Por alguns instantes, dominar a língua passou a ser apenas um detalhe. O meu lado repórter queria muito saber qual o sabor da vitória que os belgas acabavam de conquistar. A resposta veio na ponta da língua. Segundo eles, vencer o Brasil era o sinal verde, com duplo sentido, de que podem chegar ao título. Disseram ainda que há muito esperavam o que estão a assistir. A entrevista rolava e virava bate-papo animado quando um deles resolveu perguntar a minha nacionalidade.

A discreta bandeira do Brasil em uma francesa
A discreta bandeira do Brasil em uma francesa

Brasileira, respondi, para em seguida perceber que não dava para encarar tantas cabeças chifrudas a me analisar.

Era hora de seguir e refletir: fizemos e temos uma história. Conquistamos admiração e respeito. Falta acreditar e voltar a brilhar.

Assim me despedi com Bonne chance! Au revoir!

Comments

  1. marisa silviano do prado says:

    foi triste. aki tb tava todo mundo meia boca. meio murcho. acho que o 7X1 e a caos do pais nao deixa brecha para otimismo. mto triste mesmo,

  2. M Lucia Fonseca says:

    Vi!!! Viajei no tempo e revivi o 7×1 da copa passada. Também passei fora do Brasil e foi doloroso não ter um colo pra chorar e ainda ter que me fazer de forte pra encarar a tiração de onda por cima de mim! Mas fazer o que? Vida que segue!! Beijo e muita saudade

    • Virginia Prado says:

      Eu também voltei no tempo e lembrei que estava na Alemanha no 7X1. Agora estou na França…será… Se confirmar, na próxima, entro em acordo com Mick Jagger. Bjs

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