Percursos, perdas e ganhos

marco de La Cadière dAzur

Muitas vezes, mesmo programando nosso percurso, nos perdemos no meio do caminho. Muitas vezes temos a sensação de perda de tempo e de que estamos dando uma volta desnecessária para chegar no local previsto. Muitas vezes ficamos angustiados e impedidos de perceber o que o caminho está a oferecer, mesmo sabendo que o programado vai estar lá sem sair do lugar. A caminhada Sanary-sur- Mer até La Cadière d’Azur foi um belo treino, uma oportunidade de conhecer um novo lugar e, principalmente, um grande aprendizado.
Nesse meu período sabático na França, a cada caminhada e corrida, procuro sugar tudo que possa à minha vida acrescentar. Passei muitos anos fixada em alcançar o programado, sem dar tempo ou ter tempo de enxergar o que o entorno me oferecia, porque os meus olhos se negavam a olhar. Os anos passaram e eu me percebi sem avançar e sem fazer da quilometragem percorrida, das corridas e da vida, um energético para não ter medo de errar, voltar atrás e tudo recomeçar.
Hoje, aprendo, em meus percursos, que é importante não fechar os olhos em cada trajeto que começar, para não cair e correr o risco de se machucar. Percebo ainda o diferencial de saber identificar o momento certo de seguir ou de retornar, quando o caminho parecer não levar ao lugar que pretende chegar ou nem sequer a qualquer lugar. Não importa o tempo que levar, nem o que ficou para trás sem nada acrescentar, mas o que de tudo isso poderá na vida aproveitar.
Eu e minha amiga francesa demos largada no nosso percurso em direção a La Cadière d’Azur, uma charmosa cidade provençal. Eu estava bastante animada. Já tinha algum tempo que não fazia uma corrida ou caminhada em direção a alguma cidade que ainda não conhecia na região. Já estava sentindo falta de algo novo para percorrer e me inspirar a escrever.

Em torno de 9 horas da manhã, colocamos o pé na estrada. O friozinho que, na hora de levantar, como sempre quis jogar contra e tentar me fazer pensar que o melhor era na cama ficar, não teve audiência. É bom ter alguém te esperando para não fraquejar. A primeira parte do percurso entre Sanary e Bandol, eu e meus pés conhecíamos bem. Eles caminhavam no automático e me permitiam com calma pensar para em francês poder falar. Embora a francesa fosse a amiga, era o trajeto de todo dia e me fazia sentir dona do lugar. A cada passada tinha uma experiência para contar ou um detalhe para mostrar. A escada da penitência, na verdade, Escalier de Baux, o nascer e por do sol em Portissol, a amizade com o cachorro no meio do caminho ou um cantinho especial com a vista de Bandol.

Uma rota alternativa para fugir dos carros

Na divisa de Sanary com Bandol, começou nossa aventura. Depois de uma parada rápida e estratégica para um cafezinho, pegamos a route D559 B à esquerda. Uma paisagem agradável, com vista e acessos para algumas vinícolas, mas com um tráfego de carros um pouco intenso para o que desejávamos. Apesar de cruzar com vários ciclistas, o que sempre me dá a certeza de estar no caminho correto, rapidamente procuramos entrar na primeira opção que nos permitiria seguir longe do barulho e dos carros.
Nesse ponto, começou nossa “escolha de Sophia” em cada encruzilhada. Tentávamos, dentro do possível, nos orientar pela localização do litoral e nos perdíamos embasbacadas diante de extensas vinícolas e lindas residências. Durante um bom tempo, ir e retornar pelo mesmo trajeto passou a ser nossa opção, sem aparecer qualquer pessoa que pudesse nos guiar. Mas, o clima estava cooperando e o cansaço havia tirado folga. Apenas nos preocupávamos com as horas. Sabíamos que o sol resolve fechar seu expediente mais cedo, no inverno, e, sem iluminação, teríamos que retornar pelo caminho que já havíamos feito, inclusive o trecho da rodovia.

Começávamos a pensar na possibilidade de La Cardière d’Azur não ser nosso destino final, quando avistamos dois homens conversando em uma residência. Gentilmente, não fugindo a regra dos franceses que tenho encontrado no meu caminho pela França, o proprietário não só procurou nos orientar, mas também nos convidou para conhecer sua propriedade.

A placa Route de Paradis, no trajeto entre a casa e um bangalô localizado em um canto estratégico do terreno, me despertou a curiosidade, mas bastou fazer todo o trajeto e estar diante de uma belíssima vista panorâmica da cidade Saint Cyr para não precisar perguntar. Nesse cantinho, a vontade era sentar, esquecer o tempo e ficar a admirar. Esse cantinho dava a impressão de guardar toda a inspiração que sempre estamos a procurar.
O senhor francês percebeu o nosso encantamento com o lugar e parecia ser esse o seu prazer ao convidar: dividir o que há 20 anos descobriu, quando decidiu trocar a agitada Paris por aquele paraíso de lugar. Durante esses anos, aos poucos vem construindo sempre valorizando o detalhe. Em qualquer canto da casa principal, uma diferente vista para admirar. Ali, esquecemos por um tempo a nossa falta de tempo e o erro no trajeto fez sentido de acontecer.

La Cadière na hora da sesta

Mas, La Cadière d’Azur nos esperava e o horário de inverno, certamente, não iria ser condescendente. Foi uma parada estratégica para recarregar a energia e quando menos esperávamos, depois de atravessar mais algumas vinícolas, estávamos no centre de ville da pequena cidade.
La Cadière D’Azur dá a sensação que parou o tempo para a história e costumes preservar. Caminhando por suas ruas, o cotidiano de um meio de tarde parece não ter a menor pressa de alcançar o ritmo de cidades próximas como Marseille (50 km) e Toulon (20 Km). A vista e o ambiente faz da cidade local de inspiração e moradia para artesãos.

Mesmo parecendo uma cidade fantasma, não deixou de mostrar seu encanto. Era o final do horário da sesta, que muitas e principalmente pequenas cidades, não só na França, mas em toda Europa, ainda adotam, priorizando a qualidade de vida e, por que não, a oportunidade de um maior convívio familiar. O meu celular, provavelmente contaminado pelo ambiente, decidiu descarregar e pouco da beleza da cidade me deixar registrar. Talvez para estrategicamente apenas despertar o desejo de quem, através do texto, nessa aventura embarcou . Talvez, uma boa desculpa para outro dia voltar e quem sabe,experimentar todo o trajeto pelo GP (chemin de Grande Randonnée), que são caminhos que possuem marcações nas cores vermelha e branca, feitas pela Fédération Française de Randonnée Pédestre para orientar a direção. Assim que cheguei em Sanary, aprendi que é importante conhecer as cores e significados de cada sinal para fazer trilhas na floresta e no litoral.
A minha curiosidade queria um pouco mais ficar e a cidade poder explorar, mas embora não sendo Pinóquio, meu grilo falante, personificado na minha amiga francesa, tomou o caminho de volta, sem me perguntar, e a solução foi acompanhar, para não ficar para trás e correr o risco de não saber como para casa retornar.
O retorno foi tranquilo e mais rápido do que imaginávamos. Sem erros e paradas, aceleramos a passada e chegamos em Sanary antes do por do sol. Uma caminhada prevista para cerca de 5 horas, acabou em quase o dobro de tempo. Uma quilômetragem em torno de 25, passou de 30Km. Um trajeto, pensado apenas para conhecer La Cadière d’Azur, permitiu também descobrir um lindo percurso pelos locais onde são produzidos vários dos famosos vinhos de Bandol. Um percurso que pode ser feito a pé, de bicicleta ou de carro, se preferir.

Vista de Bandol
Vista de Bandol

Na contagem regressiva para completar um ano em Sanary, constato ainda que muito tenho para conhecer e me surpreender no Departamento do Var, região da Provence Alpes Côte D’Azur. Mesmo em pleno inverno europeu, é possível aproveitar um lindo dia de sol ao lado do mar, florestas e zona rural. A região oferece percursos para todos os tipos de treinos, com vários níveis de dificuldades, para corredores, caminhantes ou ciclistas.
Escolhi Sanary por acaso para na França me instalar, mas, a cada nova descoberta ou habitante que conheço, tenho certeza que em melhor lugar não poderia estar, para me acostumar a uma nova cultura e a saudade que sinto, dos que longe estou, poder amenizar.

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Comments

  1. Ana Tereza says:

    Virginia delicia de post. Fiz com vc o caminho. Que experiência interessante vc está tendo. Parabéns pela coragem. Beijos . Ana Tereza

    • Virginia Prado says:

      Obrigada Ana! Que bom saber que tive a sua companhia virtual. Quem sabe vem conhecer esse caminhos ao vivo? Com certeza bem mais bonitos do que consigo descrever. beijos

    • Virginia Prado says:

      Que ótimo Verônica! Esse seu retorno me estimula a continuar a caminhada. Quem sabe você decide embarcar? Pense! Sanary-sur-Mer está te esperando com um pacote de aventuras inesquecíveis. Bj

  2. Helena Azeredo says:

    Delicia de percurso! Deve ser um prazer enorme caminhar num cenário tão rico. Não vejo a hora de te acompanhar numa dessas aventuras maravilhosas!

  3. marisa says:

    UAI prima q novidade e essa de responder post agora? Gostei. Qta novidade acontece qdo a gente ta aberta ne? bj e saudade

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