A grande lição canina na corrida de cada dia

Thor Francisco

Tem dias que acordamos leves e cheios de disposição para logo ganhar a rua. Tem outros, que sem motivo aparente ou recente, acordamos melancólicos e precisamos quase de um guindaste para na rua pisar. Mas, comigo, depois de começar a correr tudo começa a clarear.

O tempo voou. Já se passaram quatro anos. Mas, é difícil não lembrar de um dos dias mais difíceis da minha vida.   Mesmo sem falar, Thor Francisco parecia querer me mostrar que precisava descansar, mas ao mesmo tempo não queria me deixar.  Até hoje é muito difícil sobre esse assunto falar.

Foram 17 anos e meio de fidelidade e companheirismo de verdade. Só quem teve uma relação próxima com um cachorro sabe entender o que as palavras não conseguem explicar. Eles vivem pouco e nos ensinam muito. A todo momento com eles aprendemos o que é o verdadeiro relacionar.

Thor não era aquele cachorro que gostava de muito chamego, mas ao meu lado sempre estava no momento que precisava. E, mesmo sem falar, sabia exatamente demonstrar um afeto que muitos humanos, até hoje, não aprenderam a dar.

Eles vivem pouco, mas deixam suas marcas para sempre. Eu, hoje, não tenho como não lembrar da sua alegria ao em casa chegar, mesmo já morando em outro lugar.  Eu, hoje, não tenho como não lembrar da forma que encontrou para me engabelar, durante nossas corridas, quando queria parar. Muitas vezes me pego me divertindo com as boas lembranças. Eles vivem pouco, mas é uma troca intensa, na qual, certamente, mais recebemos do que damos. Eles vivem pouco e nos mostram como é simples saber gostar e se relacionar. Eles vivem pouco, mas sabem como para sempre com você ficar.

Muitas vezes sou surpreendida por uma aparição canina, durante os percursos de corrida. Muitas vezes me assusto, ou até tenho medo, dependendo do tamanho e lugar, mas procuro não demostrar e apenas respeitar o território que o cão defende com latidos e, por que não, dentes. Tem histórias que nem gostamos de recordar tamanho o vexame que a adrenalina é capaz de proporcionar. Enfim, sempre durante o trajeto das minhas corridas e caminhadas, em todo tempo, um cão me faz lembrar da saudade de quem nunca precisou nem sequer falar para o meu coração conquistar. Basta um olhar ou um rabo abanar para demonstrar.

Cachorro no percurso Le Brusc- Six Fours Les Plages.
Ele decidiu me apresentar sua dona e assim com ela eu poder caminhar e a língua francesa exercitar.

No percurso, em Sanary-sur-Mer, já teve uma cadela que decidiu um dia me acompanhar e também me mobilizar. Depois de bem distante do ponto de partida, que juntas começamos a correr, tive receio de que não conseguisse retornar. Dei meia volta e percorri novamente todo o trajeto, mas a cadela parecia gostar e decidida a não me abandonar. Ao pedir ajuda aos operários de uma construção, descobri que havia um telefone e um chip na coleira no animal, que permitia localizar onde estava. Não sei dizer se uma exigência para todos ou cuidado individual. Teve um outro que decidiu sua dona me apresentar e assim com ela eu poder caminhar e a língua francesa exercitar.

Mas tem um cãozinho, em especial, que arranjou uma diferente maneira de se aproximar. A primeira vez foi um grande susto. Eu corria distraidamente, com o fone no ouvido, e a sensação do latido vindo por cima da cabeça fez o coração disparar e o passo acelerar. Quando olhei para trás, não acreditei. O pequeno, em cima do muro, continuava a latir e parecia com o meu susto se divertir. Foram mais uma, duas, três vezes que me surpreendeu até que resolvi entrar na brincadeira e fazer diferente. Agora, sempre que eu me aproximo da casa fico atenta e antes que tenha tempo de dar o primeiro latido eu grito “bonjour!”. O cão abana o rabo parecendo gostar. Essa cena se repete quase todos os dias e já faz parte da minha corrida. Quando ele não está parece que falta algo para completar.

O cachorrinho do muro
late todo dia quando passo correndo.
cão em cima do muro latindo
Agora digo Bonjour! e ele abana o rabinho pra mim.

Viajo novamente em pensamento nas páginas do Pequeno Príncipe e é na fala de um outro animal, a sábia raposa, que vou encontrar o verdadeiro significado da palavra cativar, que os quatro patas, principalmente os cachorros, já conhecem e, certamente, tentam nos ensinar.

 

E você? Já teve um cachorro no seu percurso de vida ou corrida?

 

 

Comments

  1. Letícia says:

    Lindo lindo lindo esse texto!! Estes companheiros de vida são incríveis mesmo! Através deles podemos entender o amor gratuito e sincero 🙂

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