Marathon de New York e Marathon des Alpes Maritímes Nice-Cannes: como vencer 42,195 km na prova e na vida

Marathon de Nova York

Marathon de New York e Marathon des Alpes-Maritímes Nice-Cannes, duas provas que me proporcionaram um grande aprendizado sobre vencer cada quilômetro na rua e na vida. Uma nos EUA e outra na França, acontecendo em um mesmo fim de semana, traz lembranças e provoca reflexões.

Marathon de New York – Primeiro tempo

Eu tive o privilégio de participar por duas vezes: 1982 e 1983.  É verdade que há três décadas, mas que nunca mais desocupou o espaço nas minhas boas lembranças, mesmo não tendo muitas fotos. Nos anos 80, não existia a facilidade do celular, Gopro e tantas outras. Dependíamos de uma terceira pessoa fotografar, depois revelar e ver o que de fato registrou. Mas a organização clicava todas as chegadas e você depois poderia encomendar quantas e em quantos tamanhos desejasse. Na minha estreia em New York, em 1982, eu não tinha a menor ideia do percurso. Apenas a informação de que atravessaríamos diferentes bairros e chegaríamos no Central Park. Sabia o que era percorrer 42,195 km, porque havia feito a Maratona Atlântica Boavista, no Rio de Janeiro, no início daquele mesmo ano.

Para mim, era tudo uma grande festa. Eu corria com meu olhar de jornalista. Sem compromisso com tempo, eu queria completar e registrar todos os detalhes, desde a organização, passando pelo comportamento e desempenho dos corredores e recepção da cidade e moradores. Já na largada, a chuva de agasalhos me fascinou e descontraiu. Dei partida sem nervosismo, sintoma companheiro em todo início de prova. Maratonista de primeira viagem, em uma corrida no frio, preferi seguir com um casaco amarrado na cintura, mas só até metade do trajeto, quando qualquer detalhe extra começa a incomodar. Troquei o apego ao agasalho pela sensação de mais liberdade e me desfiz sem remorso.

O meu ritmo era algo comum entre a média dos corredores e, durante todo o trajeto, estava sempre acompanhada de maratonistas de diferentes partes do mundo. Eu nem percebia a quilometragem passar. Deixava minhas pernas me conduzirem, na cadência do grupo, e a cabeça livre, leve e solta a extasiar com todas as novidades e recepção que nos aguardavam em cada bairro que entravamos. Passei a barreira dos 30km sem perceber, mas uma entrada no Central Park detonou o alarme chegada. Alarme falso. O parque que, na corrida da véspera, para relaxar a musculatura, me pareceu o paraíso dos corredores, naquele momento, me dava a sensação de estar no calvário. Depois de percorrer algumas curvas e suaves subidas e descidas, que naquela altura da corrida pareciam infinitas, saímos novamente do parque. Esse pequeno detalhe de que o percurso tinha duas entradas no Central Park pode parecer irrelevante, mas, em final de uma prova de longa distância, pelo menos para mim, teve um efeito emocional comprometedor. A partir daquele ponto comecei a só desejar visualizar a faixa de chegada. Completei a maratona com o tempo de 3:24:37, quase uma hora após a vencedora, a britânica Grete Waitz, que completou o percurso em 2:27:14, mas, certamente, tão radiante quanto ela e acima da minha expectativa.

Percebi, naquele dia, a importância de conhecer o percurso da corrida. Percebi também que, em competições, principalmente de longa distância, o maior inimigo é o seu emocional, que mesmo com preparo pode derrubar quando menos esperar.

Cruzei a linha de chegada com a certeza de querer novamente participar, mas, aquele momento era para comemorar junto com o grupo de brasileiros que havia embarcado nesse desafio. Uma tradicional festa, promovida pela organização da prova, nos aguardava. Com o corpo e cabeça ainda em superaquecimento foi fácil cair na pista de dança e deixar a alegria transbordar. As dores ficariam para o dia seguinte avaliar.

Bilhete do fotografo da Marathon of NY
Maratona NY bilhete de chegada -1982
Brasileiros na Marathon de Nova York 2011 - Foto Rafael Azeredo
Brasileiros na Maratona de Nova York 2011 – Foto Rafael Azeredo

 

Maratona de New York – segundo tempo

Depois de um ano difícil, com ruptura muscular grave e inclusive diagnóstico de não voltar a correr.  Depois de passar os meses que antecederam a prova, dividindo meu tempo entre trabalho, filhos, treinos e intensa fisioterapia diária, sob a supervisão de um “anjo” fisioterapeuta corredor, que não me deixou abandonar o tênis e a confiança de que seria capaz de completar a maratona. Depois de muita expectativa e dúvidas, desembarquei, em 1983, na Marathon de New York, sem saber o que poderia esperar e encontrar pela frente nos 42,195km, apesar de já conhecer o percurso. As condições do dia da prova também pareciam estar jogando contra. A largada foi em um dia frio e chuvoso, que encharcava por fora e por dentro, dificultava ainda mais o aquecimento e fazia lembrar-me, a todo momento, do músculo lesionado.

O que pode parecer sem sentido ou loucura para muitos, quem já fez maratonas sabe o quão prazeroso é completar esse tipo de prova.  A de New York, então, é uma emoção indescritível. Quem já fez maratona sabe o quanto de ensinamento existe ao longo dos 42,195km, que vai muito além de um teste de resistência física. É principalmente uma oportunidade de autoconhecimento e fortalecimento. Nessa modalidade de corrida não adianta apenas ser veloz. É um aprendizado de estratégias para vencer os obstáculos da corrida nas pistas da rua e da vida.

Central Park, dessa vez, estava registrado e não revirou o meu emocional. Fui vencendo todos os desafios e cruzei a linha de chegada, fazendo o meu melhor tempo de maratona, 3:20:51. Mais uma vez quase uma hora após a primeira colocada, que novamente foi a britânica, Grete Waitz, com 2:27:14. Completar essa prova teve um sabor de vitória diferente. A sensação ao terminar era de que havia aplicado uma injeção de confiança. A alegria de ter superado todos os obstáculos para estar vivenciado aquele momento, nessa maratona de 83, me fez sentir mais vencedora do que a primeira colocada e do que os milhares de corredores participantes. Era a minha corrida. Superei a dor, corri contra o diagnóstico de não mais poder ter o prazer de praticar o que me faz tão bem, venci a quilometragem, o meu tempo e, principalmente o medo.

Quando o corpo esfriou, na temperatura baixa e dia chuvoso, vieram as dores, comum a todos que se jogam de pernas e mente a completar esse desafio, mas o fortalecimento interior e certeza de ser capaz é um energético para enfrentar tudo que possa aparecer na sua frente adiante. Não sei se comum a todos, mas a maratona me faz sempre redescobrir uma pessoa que às vezes se esconde dentro de mim.

A Marathon de New York continua durante todos esses anos promovendo emoções em milhares de corredores. Eu não tive mais oportunidade de participar, mas, mesmo depois de três décadas, é uma maratona marco na minha vida de corredora e pessoal. Quem sabe um dia ainda estarei de novo entre os mais de 50 mil corredores na Marathon de New York?

Marathon 83 NeW York Virginia Prado
chegada Maratona de Nova York 1983

Marathon des Alpes-Maritímes Nice-Cannes

Essa prova faz parte de planos futuros ou melhor adiados. A beleza do percurso e a época do ano em que é realizada tornavam a prova perfeita para comemorar a entrada nos 60 anos. Sonhei, depois de 30 anos, me desafiar e percorrer os 42,195km ao lado de filhos, estreantes maratonistas. Desembarquei, no início do ano de 2017, para o meu período sabático na França, com uma mala cheia de sonhos e diferentes projetos para serem executados, simultaneamente.  Mas, esqueci de computar os problemas do dia a dia, que parecem crescer no tamanho e na quantidade, quando vamos morar em um outro pais. Problemas que vão desde a simples escolha de uma operadora de telefonia móvel, que atenda suas necessidades, à árdua tarefa de encontrar uma moradia, um percurso, realmente, difícil para os estrangeiros, que toma tempo e energia.  Esqueci também de computar os imprevistos da vida que fogem ao seu controle, causam dor física e emocional. Esqueci de computar ainda que a vida é uma caixinha de surpresas e nem sempre é possível chegar como e onde gostaríamos.

Os primeiros meses passaram sem perceber. Chegou verão e com um calor digno de Rio de Janeiro 50º graus. Mas ainda teria metade de agosto, quando a temperatura começa a dar um refresco, setembro e outubro. Apenas a temperatura, porque os problemas pareciam só acumular.

A Marathon des Alpes-Maritímes continuava no meu desejo e planos, mas os treinos não conseguiam ter uma continuidade. A vontade de participar, de comemorar meu aniversário do jeito que sonhei, era tão grande que me cegava. Briguei todo esse tempo com o querer e poder fazer. A ficha demorou, mas caiu. Sei que fisicamente teria condições de completar a prova. Tenho preparo e memória de maratonista. Mas, sei também que estou em um momento de mudanças e adaptações. Aprendi, nas maratonas de esporte e da vida, a hora de recuar ou parar de insistir para não machucar. Aprendi nas longas distâncias, que percorri, e nas diferentes provas que participei, que o preparo emocional é fundamental para conquistar ou frustrar.

Estar na França e conhecer as mudanças climáticas da região, conforme as estações, já me permitiu ver que a programação de treinos para provas realizadas no fim de ano europeu, se assemelha à programação para Maratona do Rio de Janeiro, se o treino for no Brasil. A contagem regressiva para a competição é sob um sol forte e intenso calor, apesar da prova ser realizada, na despedida do outono ou início do inverno. Castiga o corredor, mas também aumenta a resistência. Já quem vem do Brasil para participar de uma prova na Europa, melhor época não poderia existir.

Correr os 42.195 km de Nice a Cannes continua entre as competições do desejo de corredora. Permanecendo mais tempo na França, posso ter a oportunidade de conhecer o percurso dessa maratona ou, quem sabe, de tantas outras, em diferentes regiões, e poder dividir com todos que um dia quiser participar.

Enquanto isso, é treinar e torcer para um dia estar lá.

A TV largada Fez a cobertura da Maratona de Nova York no ano de 2011. Confira o programa:

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Comments

  1. marisa says:

    lembro da bagunca da farra e de como nos divertimos … agora correr, so para os que tem raca prima, meu lugar e na torcida

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