O namorado francês

Eu não tenho um namorado francês. Essa é a minha resposta a uma pergunta que a maioria das mulheres não comprometidas escuta quando vem morar na França. É de praxe. A pergunta sai até sem querer.
Talvez, porque a França faça parte de muitas histórias de amor.  Talvez, porque a França inspire amor. Talvez, porque a França está no imaginário de quem quer um amor. Talvez, porque simplesmente acreditam que você merece viver um grande amor.

Assim como nas trilhas, nesses primeiros seis meses de período sabático, grande parte dedicado a um difícil e necessário trajeto interno, venho fazendo reconhecimento de terreno, descobertas, percorrendo longas distâncias e chegando em locais que eu jamais imaginei existir.
Nesse trajeto entre sentimentos, guardados ou escondidos, vou tirando a poeira, analisando quantidade, peso e se ainda cabem em algum lugar. Vou descobrindo o limite entre o que foi real e o que eu gostaria que tivesse sido. Vou tirando a fantasia e deixando a verdade nua aparecer. Encarar essa realidade é um processo muitas vezes triste e até doloroso, mas também libertador.
Nessa caminhada, percebo que o coração andou sempre em uma via de mão única. Percebo ainda que dei muitas voltas, andei em círculo, deixei o tempo passar e pouco avancei.
Percebo que percorri apenas parte do caminho e me perdi até de mim, se é possível acontecer.  Encontrei-me por acaso no percurso francês. A outra parte do caminho ainda estou por completar. Eu sei que o trajeto é difícil, o que aumenta a expectativa para que o final seja inesquecível.

Percebo também que ainda quero conhecer o brilho no outro olhar, o frio na barriga, o desejo de querer ficar para sempre, mesmo que o sempre não corresponda totalmente o seu real significado.
Conversar consigo mesmo é difícil e principalmente durante tanto tempo. Quem já experimentou sabe. Eu já usava minhas corridas para o “momento eu”, mas tinha hora para começar e terminar. É totalmente diferente estar só com você em um país que não é o seu.
Tem dias que não dá vontade nem de começar, mas depois que coloco o tênis e dou largada para o percurso, tudo começa a engrenar no ritmo das passadas.
As trilhas do litoral e florestas têm sido o meu divã em movimento no Var, região da Provence Alpes Côte d’Azur. Quanto maior a quilometragem, mais claro o meu raciocínio. Quando estou correndo ou caminhando, o problema torna-se pequeno, mais leve e a solução aparece de repente. O que ainda não consegui é a forma perfeita de executar.

É um verdadeiro feng shui emocional que requer energia, tempo e disposição. Foram alguns livros pela metade, sem o final feliz que havia desejado. O incompleto ocupa espaço e tempo, gera expectativa de um dia concluir que pode nunca chegar.
A história deixa de ser interessante em algum ponto ou lugar, ou, na verdade, nunca foi o que você imaginava, mas que a cegueira não te deixou enxergar.

O amor é complexo, não te permite fazer escolha. Simplesmente, chega.  Às vezes aparece em forma de um mar revolto. Às vezes, em forma de construção, tijolo por tijolo.  Amor pode ter a intensidade da paixão, com pretensão de ser mais. Amor para ficar tem que primeiro haver lugar.

No momento, só tenho certeza de ter certeza de que não adianta comprar um sofá novo e colocar no meio de tralhas; que não adianta colocar um tapete novo, colorido e lindo para esconder o buraco. O tapete um dia vai ficar velho, pode até rasgar, e o buraco vai estar no mesmo lugar. No momento, eu só tenho certeza de que quero tapar o buraco, com a técnica de um profissional e o talento de um artista. Quero ter certeza de que, se algum dia passar por tal local, nem perceba que ali existiu um buraco.
Depois da faxina, com a casa limpa, haverá espaço para ocupar. A porta vai poder estar aberta. E o tempo, se preferir, vai poder caminhar e até parar.
Eu não tenho um namorado francês, mas, quem sabe, poderá chegar.

namorado francês

Gato no quintal da casa em Ollioules

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