Desde o dia que escrevi sobre o trecho da trilha Le Brusc, entre a Plage du Cros e a Plage de la Coudoulière, em Six Four les Plages, completar o percurso passou a fazer parte dos meus pensamentos e desejos. Neste período sabático na França, tenho aproveitado para refletir e mudar algumas atitudes. Uma dessas é tentar não me contentar com metades de relacionamentos, de aprendizagem, de trabalho e de percurso. Essa trilha, quando fiz, ficou pela metade. Foi em mais um retorno de uma corrida até a Île de Gaou que olhei para o lado e, embora cansada, decidi fazer a outra metade da trilha.
No começo estava super tranquilo e cruzei com várias pessoas pelo caminho nas diversas enseadas. Esse movimento me dá segurança, inclusive quando encontro com cachorros pelo caminho.
Mas os percursos em trilha, por menores que sejam, têm sempre uma surpresa te aguardando. Nessa não foi diferente. Foi só subir uma escada na curva e lá estava eu e o mar. As pessoas desapareceram como em um passe de mágica. O barulho das ondas nas pedras começou a ocupar o ambiente e invadir meus pensamentos. É o momento de questionamentos e de acionar a persistência. Segui em frente sem problemas, afinal, era apenas mais uma trilha e o mar estava razoavelmente tranquilo. E, no caso de ser surpreendida por alguma onda, eu já havia aprendido a esperar pela terceira para ter sinal verde para passar.
Mas o que apareceu no final de mais uma escada não fazia parte da paisagem e da trilha. Concentrada em olhar onde estava pisando, só me dei conta de que estava diante de um homem nu no final da escada. Uma cena ridícula que parece ter assustado a ambos. Eu nem seria capaz de reconhecer a pessoa porque nem tive tempo de olhar seu rosto. Mesmo o trecho sendo estreito acelerei a passada. Em poucos segundos consegui transbordar pensamentos que foram de um extremo ao outro. Pensei na hipótese de estar entrando em uma praia de nudismo ou de tratar-se de um tarado à espera de uma vítima. Acabei concluindo ser algum solitário que escolheu um lugar inapropriado, pois, desde o momento do flagrante até bem distante do local, escutei repetidas vezes seu pedido de desculpas. Do que de fato se tratava, jamais vou saber. Desculpei, mas o encontro contribuiu para aumentar a adrenalina.
O mar parecia ter entendido que eu acabara de levar um susto e procurava me acalmar parecendo saber o que eu encontraria mais à frente.
A placa de interdição estava ali, mas o caminho permanecia aberto. Como retornar era algo fora de cogitação, segui em frente sem procurar se havia uma saída por algum condomínio de casas. Mas a pergunta de praxe veio quase que imediatamente: por que seguir em frente? Era uma curva com piso estreito e escorregadio. Agarrei firme em uma barra de ferro e literalmente colei no muro. Trecho não muito extenso. Acho que existente só para dar emoção. Na outra ponta uma pequena praia e o mais importante: pessoas.
Mas, antes de chegar ao meu oásis, a última prova do dia. Uma companheira de trilha fazia o caminho inverso e eu observava atenta para não errar. O local era estreito e, conforme o momento, você é surpreendido por uma onda. Desta vez era necessário tirar o tênis. Esse, suponho, é o trecho interditado em dias de maré alta. Com o par de tênis no alto e segurando no muro, quando dava, completei o trajeto com a calça ligeiramente encharcada. Sem problemas. O percurso é lindo. Valeu a pena conhecer. Consegui riscar mais essa metade da minha vida. E o sol quente logo secaria a minha roupa.
Tanta concentração me fez esquecer de um pequeno e importante detalhe: prevenir a companheira de trilha sobre o possível encontro com o exibicionista ou solitário. Quando olhei para trás, ela já estava longe.
Gostou deste Post? Deixe um comentário.
Linda “trilha”. Mar transparente e sereno. Bjs.
Virginia fiquei com uma curiosidade: a visão inesperada valeu a pena? bjs