Eu também tenho medo

trecho estreito da trilha du Cap Négre

 

Enquanto no Brasil, vocês aproveitam a folia de Carnaval, eu, em Sanary-sur-Mer, vou fazendo a minha terapia do medo.

mapa da trilha Bonnegrâce ate Batterie du Cap Nègre
No mapa a trilha parecia convidativa e uma boa opção para uma corrida matinal.

No mapa, o pedaço da trilha Le Brusc, entre praia de Bonnegrâce até Batterie du Cap Nègre,  parecia bem curto. E de fato é. Mas, o medo faz aumentar a quilometragem e o tempo. E, foi só fazer a primeira curva para ter certeza que esse seria meu fiel companheiro nessa jornada. 

 

Nesse sentido, essa parte da trilha faz o contorno de um condomínio de casas, no lado esquerdo.  No direito, o mar, só que, em vários momentos, lá embaixo.  Eram dois temores a vencer: altura e mar. 

 

Assim que iniciei a trilha, sabia que seria impossível correr. Nos trechos mais estreitos, literalmente, grudava no muro do condomínio e caminhava passo a passo, sem olhar para baixo e com pavor de escorregar. Não era a hora de constatar que não estava com o tênis adequado.  


 

O silêncio só era quebrado pelo vai e vem das ondas que batiam forte nas pedras. Esse barulho, em muitos momentos de grande concentração, chegou a me assustar. Me fez imaginar até na possibilidade de uma tsunami. O medo vem sempre acompanhado de pensamentos negativos. Eu me perguntava o que estava fazendo ali. A paisagem era única. Por que não admirar?

 

Olhava para um lado e para outro e só eu. Muito longe, no mar, apenas um barquinho, que não teria visão para me enxergar, caso eu precisasse. E sobe, desce e faz curvas bem junto ao mar. Às vezes, atravessando a vegetação me sentia mais protegida, mas sabia também que apenas encobria a visão do mar e bastava um vacilo.  Olhava para trás e a praia de Bonnegrâce já estava distante. Só de lembrar o que já havia percorrido, nem pensar em voltar. Certamente, o trecho que faltava deveria ser bem menor. 

 

Mesmo com meu coração querendo sair pela boca, e o pensamento na bronca dos meus filhos, quando soubessem, me sentia a cada passo uma vencedora. Não eram 42.195 quilômetros, muito menos, mas, estava experimentando a mesma sensação que sinto quando completo uma maratona. Acho que é o efeito da adrenalina. 

 

Prosseguia meu caminho, quando, no alto de uma das casas, avistei uma senhora na varanda. Pensei até que pudesse ser uma miragem. Aquele trecho parecia um dos mais difíceis e estreito. De longe, gritava: “Bonjour!”.  Em seguida, perguntava se era perigoso. Não sei se escutava. Apenas sorria e apontava com o dedo o caminho. Acenei me despedindo e parti. 

 

O que eu percebia é que todos os portões de acesso ao condomínio estavam trancados. Foram mais alguns minutos e belas paisagens, insegurança, pequenos e grandes obstáculos, mas já me aproximava do meu destino: Batterie du Cap Nègre estava na minha frente.

 

O que eu não sabia é que depois de tanto esforço, esse último trecho da trilha estava interditado. Me deu desespero. Voltar tudo de novo? Não teria outro jeito. Mas,  quase como milagre, porque na ida não havia reparado, apareceu uma escada de acesso ao condomínio. Não pensei duas vezes.  Por hoje, eu já havia vencido meu medo.

 

Se eu volto a fazer essa trilha? Claro que sim! Mas, acompanhada.

 

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